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por Uan Flor do Nascimento

Este artigo foi compartilhado no Curso Percurso Formativo Memória, Reparação e Justiça Racial realizado no dia 29 de março de 2023 pela IDMJR – Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial e o Iser – Instituto de Estudos da Religião.

O que a memória faz conosco? O que fazemos com a memória? A memória é um dos domínios de Exu, o mensageiro, o Ojixé.

Andarilho, mensageiro, comunicador, afeito à política. Senhor das contradições e dos caminhos, Exu anda com as palavras, anda nas palavras, anda pelas palavras, anda as palavras. Por viver (n)as palavras, como vive (n)as ruas, (n)as encruzilhadas, (n)os caminhos, Exu as tem como ferramentas para fazer mundos, encontros, memória. A memória não é só feita de imagens, ela é erigida em palavras, que se modificam e modificam quem as ouve, quem as lê, quem as escreve e, sobretudo, em quem as fala.

Exu é alegre e conhece as dores e as tristezas que nos cercam. Quando aprendemos a ouvi-lo, ele nos avisa com suas palavras, sendo nosso mais fiel mensageiro e mensageiro da nossa ancestralidade. Caminha pelo mundo, mostrando as encruzilhadas que estão pelos muitos caminhos. Exu brinca nelas. E com elas.  Nosso desafio é aprender a brincar com ele, como ele, para assim, conseguirmos passar pelas encruzilhadas da vida, pela vida, na vida.

Nesse aprendizado, a memória é fundamental. Não apenas por guardar as brincadeiras de Exu, mas por trazer a história que nos foi contada. E não é possível caminhar pela vida sem histórias. Elas são como os fios de conta de Exu, que o identificam em suas múltiplas cores e possibilidades. Mas Exu é arteiro: por ter todas as palavras consigo, maneja a história de um modo que nos espanta. E ele nos alerta: é preciso estar atenta ao trazer às palavras as histórias que foram deixadas sobre nós e saber diferenciá-las das histórias que narramos sobre nós mesmas.

Caminhando com Exu por muitas terras e muitos tempos, as palavras habitam nossos corpos, são corpos. E nos convidam sempre a fazer parte desses deslocamentos exúnicos, mergulhados em um convite lírico, transformador e ancestral (que é tudo junto!), a olharmos para nós, e contarmos outras histórias sobre nós mesmas, que difiram daquelas que nos foram contadas sobre nossas dores, alegrias, desejos e encontros. A memória nos fornece a matéria para seguirmos sendo quem somos e para transformarmos nossa vida. Elas estão ancoradas, como nos diz Maria Anonieta Antonacci, nos nossos corpos negros.

De boca e pés dados com Exu, a memória convida a caminhar por caminhos diversos de nossas ascendências, nos lembrando de onde viemos, quem fomos, no que nos tornamos e no que podemos nos tornar. E essa (an)dança nos mostra que somos feitas de plurais memórias e histórias, lembrando que, aqui em nossa história, precisamos lembrar de quantos plurais somos feitas…. Talvez uma das maiores riquezas de Exu seja sua pluralidade de línguas, palavras, histórias, caminhos, memórias: uma multiplicidade de/que podermos ser.

Ouvir quem nos antecede é sempre um exercício de podermos aprender a sermos o que somos e criarmos outros modos de ser. É mobilizando essa escuta das vozes encarnadas que podemos mobilizar a ideia apresentada por nosso ancestral indígena Ailton Krenak quando nos recorda que o futuro é ancestral. E tudo por vivermos nas/das memórias e das histórias que são contadas sobre nós; e sobre o que podemos fazer com essas memórias.

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