Guerra aos Negros
0 10 min 11 meses

por Monique Rodrigues

No último sábado(25) a IDMJR em parceria com o Movimentos- Drogas, Juventude e Favela lançou o filme Guerra aos Pretos: política de drogas e genocídio, que teve sua exibição de estréia na Casa da Cultura de São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Reunindo um público diverso, que caracteriza esses territórios pelas incontáveis demandas, mas com um foco na juventude preta e/ou periférica, tivemos a possibilidade de apresentar e dialogar sobre a perspectiva das organizações proponentes diante à política de genocídio destinado à população negra, pobre e periférica quando o sentido de guerra às drogas mata e encarcera gratuitamente essa população.

Dirigido pela cineasta Janaína Oliveira, que pela segunda vez se une à Iniciativa, o filme firma mais uma vez a importância do audiovisual como ferramenta de mobilização, informação e diálogo. Outra parceira é a artista, realizadora do Xuxu com Xis e editora Pamela Ornithran, que editou o filme e esteve presente no lançamento.

“Fazer parte dessa informação, que é um direito nosso mas que no nosso território não é colocado por várias questões, porque a gente mal informado fica mais fácil ser manipulado, então saber sobre esses temas é fundamental. Os preconceitos são inúmeros e editar esse filme, nessa sociedade da desinformação, significa empoderar o conhecimento. A repressão e a opressão são combatidas pela informação. A linguagem cinematográfica é uma forma de conquistar o público e atrair para outras realidades.”

Pamela Ornithran

O impacto da guerra às drogas na Baixada Fluminense é sentido sobretudo pela juventude negra, que forma um contingente amplo de pessoas atingidas diretamente por essa violência sistematizada pelo estado. O debate chega como uma demanda urgente dentro deste contexto. A jovem articuladora de juventude Evelin que constrói formação coletiva com jovens no projeto MJPOP na Baixada Fluminense mobilizou uma galera para exibição.

“Eu acho que política de drogas e genocídio é um tema importante de ser trabalho e que não chega. Infelizmente as drogas é um assunto muito presente na juventude, tanto as lícitas quanto as ilícitas, então é fundamental esse debate. A nosso realidade é muito urgente e esse tema é inovador no debate, a juventude está na fase de descobertas e não é fácil esse diálogo.” 

Evelin SummarMJPOP

Marcar que a Baixada Fluminense é parte de fundamental importância para o Estado do Rio de Janeiro, e que estes lugares passam por uma invisibilidade e marginalização sistemática produzidas pelas estruturas sociais, sobretudo as midiáticas, originando narrativas que banalizam o genocídio, dialoga com um ponto crucial apresentado no filme: a responsabilização da branquitude nos discursos sobre uso de drogas instaura hierarquia de sentidos e privilégios.

A dicotomia usuário versus traficante é marcada pelo tom da pele e pelo cep. Uma sociedade estruturada no racismo e no capitalismo gera incontáveis desigualdades que produzem diferentes violências e a guerra dentro das favelas, periferias e subúrbios é uma delas.

Contando com a parceria do coletivo Movimentos, a coordenadora Jéssica Souto refletiu que “foi muito importante fazer parte da parceria primeiro porque a construção junto com a IDMJR foi um grande elogio ao nosso trabalho. Pensar a formação com os jovens, desde lá no começo do processo, foi interessante. A perspectiva da Baixada Fluminense, com suas singularidades, foi super importante. E na realização do filme perceber que foi preciso escancarar alguns processos. Como, por exemplo, de onde vem as armas e as drogas?”

Participante do filme Pedro Vidal, multiartista e agente da área da saúde pública, que aborda de forma bastante didática e no debate trouxe a fala da sua atuação:

“Dez anos atuando com a população pobre, vulnerabilizada, meu primeiro trabalho foi no consultório de rua do Jacaré, a primeira cracolândia do Rio de Janeiro. É muito importante esse tema e ainda pouco debatido. A maioria das comunidades terapêuticas são na Baixada, a política de saúde mental saiu da pasta, não existe mais nacionalmente e foi para a saúde da família, com menos recursos e investimentos. Essa é uma pauta de vida que atravessa muitos temas urgentes.“

Pedro Vidal – Multiartista e profissional do SUS

Outra referência na luta é a atuante dos enfrentamentos às violências de Estado, Renata Trajano, que formou parte da mesa de debate e relembrou as chacinas promovidas pela polícia com o discurso da guerra às drogas.

“13 de maio de 2020,  13 pessoas foram assassinadas no Alemão no auge da pandemia. 14 de julho, 7 pessoas foram assassinadas em São Gonçalo e os moradores foram recolher os corpos. 1 ano de pandemia e 28 pessoas foram assassinadas no Jacarezinho. 8 pessoas assassinadas no Complexo da Penha. Isso é guerra às drogas? As notas técnicas da polícia são sempre as mesmas. Parece que todo mundo é traficante. Como se faz guerra às drogas matando desse jeito. Fora os desaparecidos, as chacinas da Baixada. Todo dia se faz o combate às drogas só na favela?”

Renata Trajano – Coletivo Papo Reto

Letícia Florêncio à frente de articulações na Casa da Cultura de São João de Meriti e outros espaços lembrou que “ocupar esses espaços com essa reflexão e esse conteúdo é fundamental para fortalecer as redes que atuam no território, e que é invisibilizado em todas as esferas. Nossos jovens precisam assistir esse filme.”

Também apresentado no filme e formando a mesa, Ricardo Fernandes do Movimentos, mostrou uma face da juventude que fala diretamente sobre a política de drogas com os seus pares, e marcou que “quando a gente pensa em falar sobre a discriminação, marginalização e todos esses processos, a gente precisa falar sobre o acesso às pessoas para estar dentro da discussão e falar em primeira pessoa. Somos o meio do caminho porque a gente acessa grupos e media situações tendo a responsabilidade de trazer essas informações de forma mais facilitada para os diferentes tipos de pessoas.”

Para IDMJR o debate de drogas passa pela discussão da acumulação do capital das mais exitosas realizadas pelo Estado porque ao construir o inimigo interno, gera guerras contínuas para que o comércio e indústria militar gere cada vez mais lucratividade, logo precisamos debater o que é o Estado.

É tarefa histórica da população negra e /ou periférica a continuidade da luta por abolição tentando acabar com todas as instituições que promovem este genocídio diário, entre elas as policias e prisões. Seria contraditório se dizer antirracista e não defender o fim das instituições que as matam .”

Fransérgio Goulart Coordenação Executiva da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial

As atividades do dia contaram ainda com uma exposição fotográfica nomeada Favela Bunker que promoveu o olhar de artistas visuais sobre genocídio, violência e resistência, além da batalha de Slam trazida pelo Slam Movimentos. A MC Martina que foi a mestre de cerimônias desse evento conversou com a gente, pontuando que “a gente fica muito feliz em participar, porque é a primeira edição do Slam Movimentos a gente tava querendo fazer um slam com o Movimentos e o filme foi a melhor oportunidade de fazer isso acontecer. É significativo que a gente fale o que a gente pensa e quando a gente traz para a poesia, a gente consegue entreter e chamar as pessoas. Me sinto honrada em participar de tudo isso.”  

O filme chega às telas neste momento histórico, trazendo muitos contextos a serem pensados e repensados, mas apontando de forma crucial que o debate sobre racismo, branquitude e privilégios de poder é uma tríplice de fundamental análise. Apoiado pela Open Society Foundation esse é um conteúdo que se coloca à disposição para ser apresentado e debatido em todo território. Entre em contato com a Iniciativa e agende uma exibição no seu espaço.

Contato: dmj.racial@gmail.com

Deixe uma resposta