
Os casos de desaparecimento forçado perpassam toda a formação social e econômica brasileira desde o tempo de colonização até o atual período dito democrático. No contexto latino americano ganhou muita visibilidade no período da ditadura civil-militar, mas continuam a ser uma realidade no Brasil. Algumas convenções de Direitos Humanos se ativeram à questão, como, por exemplo, a convenção internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados da Organização das Nações Unidas (ONU), que aponta com preocupação o fato de muitos países praticarem desaparecimento forçado.
Para além deste documento, uma série de outras normatizações internacionais foi elaborada e pactuada para enfrentar o problema, como, por exemplo, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas, aprovada pela Organização dos Estados Americanos (1994), assim como o Estatuto de Roma, o qual estabeleceu a criação do Tribunal Penal Internacional em 1998.
Segundo a legislação internacional dos direitos humanos, desaparecimento forçado é uma forma de arbitrariedade estatal em que os organismos estatais ou quase estatais colocam uma pessoa sob a sua custódia e por um longo período de tempo, ao mesmo tempo em que negam ter a pessoa sob sua guarda, privando-a, dessa forma de qualquer proteção da lei.
Em regra, os desaparecimentos forçados são utilizados como meio de repressão do Estado contra opositores políticos, contra alegados criminosos ou mesmo contra pessoas que desagradam ao grupo no poder. Trata-se de uma prática sancionada no direito internacional como crime contra a humanidade e é considerada uma das mais graves violações dos direitos humanos.

De acordo com o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional, que entrou em vigor em 1º de julho de 2002, quando cometido como parte de um ataque generalizado ou sistemático contra qualquer população civil, o desaparecimento forçado qualifica-se como um crime contra a humanidade e não está sujeito a prescrição. Em 20 de dezembro de 2006, a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado, o Brasil assinou a Convenção em 2007 e ratificou-a em 2016.
No Brasil, o desaparecimento forçado não está tipificado no Código Penal, mas a proposta foi incluída no texto em debate no Congresso Nacional, o Projeto de Lei do Senado n° 236, de 2012. No projeto, é incluído no Código Penal todo um título sobre os crimes contra os direitos humanos, inclusive o desaparecimento forçado de pessoas.
No texto original da proposta, esse crime se configura por “apreender, deter ou de qualquer outro modo privar alguém de sua liberdade, ainda que legalmente, em nome do Estado ou de grupo armado ou paramilitar, ou com a autorização, apoio ou aquiescência destes, ocultando o fato ou negando informação sobre o paradeiro de pessoa privada de liberdade ou de seu cadáver, ou deixando a referida pessoa sem amparo legal”.
A relatoria na Comissão de Constituição e Justiça é do senador Rodrigo Pacheco (DEM/MG) e não há movimentação na matéria desde fevereiro do ano de 2020.
De acordo com dados apresentados no fim do ano de 2019 em audiência pública na Assembleia Legislativa do estado do Rio (Alerj), de janeiro a agosto de 2019 a Delegacia de Descobertas e Paradeiros (DDPA) registrou 1.427 pessoas como desaparecidas somente na capital. Do total, 1.157 foram encontradas, 20 foram encontradas mortas e 250 casos não tinham sido solucionados.
Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP) registraram de janeiro a julho de 2020, 1.859 pessoas desaparecidas no estado do Rio de Janeiro e 4.768 em todo o ano de 2019. Foram encontrados 171 cadáveres e 14 ossadas nos sete primeiros meses de 2020. Em todo o ano de 2019, foram 298 corpos e 51 ossadas.
Em contrapartida, no Brasil, não há a tipificação para este tipo de crime, apesar de haver recomendações internacionais a esse respeito. Inclusive, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso relativo à Guerrilha do Araguaia, em sentença de 24 de novembro de 2010, indicou que o Brasil deveria tipificar o crime de desaparecimento forçado de pessoas. Apesar disso, não houve avanços neste sentido.
Logo, os casos que deveriam ser inscritos nessa categoria são geralmente subsumidos pelo universo amplo de pessoas desaparecidas.
Um caso que retomou o debate sobre desaparecimento forçado à agenda pública foi o de Amarildo de Souza. Em julho de 2013, o ajudante de pedreiro, morador da Rocinha, desapareceu depois de ser levado por policiais militares à sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) local para prestar esclarecimentos.
O caso se tornou emblemático e mobilizou a sociedade civil em apoio à família de Amarildo, que foi assessorada por advogados populares de organizações cariocas. Inclusive, a história ganhou repercussão internacional e tornou-se símbolo de casos de abuso e violência policial no Rio de Janeiro. A frase – Onde está o Amarildo? – ganhou as ruas.
Por sua vez, em fevereiro de 2016, doze policiais militares foram condenados pelos crimes de tortura e ocultação de cadáver. O major Edson Raimundo dos Santos, então comandante da UPP da Rocinha, foi apontado judicialmente como o responsável pelas sessões de tortura e morte do homem.
Apesar de contemplar o caso de Amarildo em seu sistema, o PLID (Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro) não realizou qualquer intervenção sobre ele. A família do desaparecido estava a par de todo o desenrolar das investigações. O PLID apenas registrou em seu sistema o caso e, com a indicação de morte presumida, o positivou.
As vítimas são normalmente detidas ou sequestradas por membros anônimos das forças de segurança e levadas a um local secreto. Os familiares e o público não são informados sobre o súbito “desaparecimento”, nem sobre o paradeiro da pessoa desaparecida, mesmo mediante pedido explícito ou ordem judicial.
Na maioria dos casos, as vítimas são mortas, sem julgamento, após um período de detenção que pode variar de alguns dias a vários meses, durante o qual são frequentemente torturadas e os seus corpos são eliminados – escondidos ou destruídos, para que nunca sejam encontrados. Dado que o assassinato é geralmente mantido em segredo, e as autoridades estatais negam categoricamente qualquer envolvimento, familiares e amigos das vítimas permanecem, às vezes por muitos anos, num estado que oscila entre a angústia, o desespero, a esperança e a resignação.
Nenhum atestado de óbito pode ser emitido e, mesmo que a pessoa não tenha sido morta, nenhum pedido de habeas corpus pode ser aceito pela Justiça.O que acontece por vezes são os familiares das vítimas poderem acessar um atestado de morte presumida.
Em um contexto onde a política de segurança pública é das milícias, urge uma tipificação desta categoria de desaparecimento forçado.
A IDMJR, como uma organização da Baixada Fluminense chama atenção para os números de desaparecimentos neste território, que chegam a quase 30% de todo o estado do RJ. Em recente Boletim sobre Desaparecimento Forçados mapeamos 21 áreas de descartes de corpos, áreas estas dominadas majoritariamente pelas milícias.
Não iremos parar de lutar e incidir por uma tipificação de desaparecimento forçado, pois o combustível e o protagonismo desta luta é de mães e familiares de desaparecidos forçados. Precisamos falar e incidir pelos desaparecidos políticos da dita democracia brasileira.