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Por Nívia Raposo e Cristiano Silva

A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial esteve reunida com 60 familiares vítimas da violência do Estado, que perderam seus entes queridos pela mãos da polícia e das milícias e outros que sofreram ou sofrem com o sistema prisional, foram dois encontros realizados no espaço do MAB (Nova Iguaçu)  e no Galpão Criativo Goméia (Duque de Caxias) seguindo todos os protocolos sanitários.

Esse encontro fez parte da Campanha do Auxílio Emergencial – Nós por Nós que foi idealizado pela IDMJR por entender que no contexto da pandemia do Covid-19, o nosso povo das favelas e periferias são sempre os mais violados e afetados. A Iniciativa buscou garantir um auxílio financeiro de R$100,00 para familiares de vítimas de violações do Estado,  buscamos possibilitar o mínimo de autonomia e dignidade nesse contexto de dificuldade econômica.

A partir dessa incidência política, podemos observar algumas questões, o auxílio emergencial “Nós por nós” foi possível perceber que o objetivo principal era colaborar e desburocratizar um apoio para pessoas que estão condicionadas a uma situação difícil neste momento de pandemia. Sem interesses políticos, a Iniciativa entendeu que as doações de cartões contemplariam os familiares de outras formas.

Entendemos a importância desse movimento, por vivenciar bem de perto todas restrições impostas pela privação de liberdade e como os reflexos dela atingem o círculo afetivo dos(as), apenados(as). São realidades que atravessam histórias, vivências, experiências tendo um coeficiente em comum, dor, sofrimento, insuficiência econômica, desespero, cansaço entre outros muitos sintomas.

Frequentemente falta dinheiro para a compra de um remédio, de fraldas ou um botijão de gás, um cartão teria essa função a mais.  A ideia do auxílio foi uma ajuda para familiares vítimas da violência do Estado, algumas dessas pessoas, até hoje não receberam nenhum auxílio do Estado. Nas periferias e favelas isso é uma realidade.

Desse modo, os agradecimentos que recebemos foram sempre em forma de mensagens carinhosas via redes sociais. Tais como: “Nossa esse auxílio foi uma benção.” “Minha filha já está usando o cartão para compras, muito obrigada”. “Esse auxílio caiu do céu” ou “Vai ajudar na compra dos meus remédios”, “Muito obrigada”, “Obrigada por lembrar de mim”.

Essas palavras servem de combustível para continuarmos a pensar em outras maneiras de atuarmos em territórios periféricos e favelados com familiares vítimas da violência do Estado. Lugares esquecidos e invisibilizados pelo Estado. Ao  fazermos uma escuta afetiva, somos mais efetivos, pois somente esses sobreviventes sabem sobre suas ausências e demandas. 

Apesar dessa escuta ser aplicada em arquitetura, pode ser empregado em qualquer situação, onde é necessário estar atento e ser empático. Pois através desses processos construímos laços e estreitamos as relações sociais, sobretudo em contexto de isolamento social.  

 Apesar do silêncio de muitos, os olhares durante a entrega do cartão eram de agradecimentos. Nesse sentido, é gratificante quando as pessoas te dão um feedback tão positivo quando recebem e utilizam o cartão como queiram. Além disso, a maioria dessas pessoas trabalham de maneira informal. Ou seja, quando não produzem também não recebem. 

Afetamos e somos afetados, pois é indescritível e indiscutível a força que essas mulheres na sua maioria possuem, olhá-las naquele momento, recebendo os cartões, foi perceber um certo alívio momentâneo nelas, retratados em suas expressões faciais.

Estas mulheres já possuem históricos de luta dentro de um cenário caótico, muitas famílias em situações adversas sofrem diante das imensas dificuldades vivenciadas. Também é importante dizer que esse espaço gerou uma reflexão que não precisamos ser fortes sempre, e que temos que construir cada vez mais espaços onde possamos chorar e sorrir juntos.

“Também é importante dizer que esse espaço gerou uma reflexão que não precisamos ser fortes sempre, e que temos que construir cada vez mais espaços onde possamos chorar e sorrir juntos”.

Nívia Raposo e Cristiano Silva

Outro ponto a se destacar foi que esse trabalho só foi possível por acontecer a partir de uma articulação de parceiros como a Rede de Comunidades e Movimento contra à violência do Estado, a Ong Eu sou Eu – Sou a Ferrugem,a partir dos princípios do autocuidado, apoio mútua e fortalecimento, que possibilitaram ações que reforçam as possibilidades destas mulheres seguirem na caminhada. Conhecer nessa construção, As Mulheres Unidas da Benção – Lutas por Direitos(MUB), um coletivo de apoio existente na baixada para ajudar a essas diversas mulheres, afetadas pelo efeitos nocivos do encarceramento foi uma conquista. 

 Diante desse cenário, o auxílio “Nós por nós” veio como apoio aos familiares que se encontram refém de um Estado capitalista e racista. Em suma, podemos pensar que a IDMJR cria uma comunidade quando se abre e permite “ser um local seguro na qual a pessoa busque apoio, caso precise de alguém para conversar ou ter uma perspectiva diferente sobre algum assunto”. Tal qual imaginou a professora e escritora Sobunfu Some em “O espírito da intimidade”, no capítulo “O abraço da comunidade”.

A IDMJR, por meio de um olhar crítico às políticas históricas nefastas e racistas, aplicadas por um Estado genocida, incidiu firmemente, a fim de consolidar novas sociabilidades para além do Estado de Exceção. Esse encontro para além da materialidade do apoio financeiro gerou como já falado, cuidado, afeto , vínculo e a certeza que isso não foi uma atividade fim, mas meio, pois rapidamente houve um reconhecimento por parte desses familiares que podemos colaborar diretamente no enfrentamento a violência  do Estado, pois quando não estamos morremos de Covid 19, morremos de tiro e pelas torturas do cárcere. 


Referências

SOME, Sobunfu. “O espírito da intimidade”  – Odysseus – 1997.

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