
Por Patrick Mello
Há tempos, nós da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial temos enviado denúncias e relatos a órgãos de proteção internacional sobre as violações perpetradas pelo Estado Brasileiro na Baixada Fluminense e em outras favelas e periferias do Rio de Janeiro. Chacinas, desaparecimentos forçados, homicídios, ocorridos pela ação ou omissão do Estado, nos deixam o dever de denunciar o terrorismo e a violência cotidiana contra territórios e corpos negros. Além de produzir e sistematizar dados construídos a partir de métodos próprios, junto aos territórios e vítimas para que a verdade sobre a atuação do Estado nesses casos seja exposta.

Hoje, dia 04 de outubro de 2022, o Conselho de Direitos Humanos da ONU lançou o informe anual do Alto Comissariado das Nações Unidas sobre Racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância correlata, acompanhamento e implementação da Declaração e Programa de Ação de Durban. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos – ACNUDH é um órgão das Nações Unidas dedicado à promoção e proteção dos Direitos Humanos garantidos pela legislação internacional e estipulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Uma de suas atribuições é fazer visitas, sistematização e apontamentos para a real efetivação e implementação dos direitos internacionais em cada país membro.
Neste relatório, o Brasil foi citado diversas vezes como exemplo suavizador de penas para casos de violação policial contra pessoas negras, bem como violador e executor de políticas genocidas em territórios de favelas e periferias. Os casos citados foram o de Luana Barbosa, espancada até a morte em Ribeirão Preto – SP; João Pedro de 14 anos, assassinado por policiais dentro de casa em uma operação da polícia civil e da Polícia Federal no Complexo do Salgueiro, São Gonçalo – RJ; além das Chacinas de Nova Brasília (2021), do Jacarezinho (2021), a maior chacina da história do Rio de Janeiro e o alto número de desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense.
O Alto comissariado da ONU ainda ressalta que é necessária maior vontade política para acelerar ações que proporcionem resultados rápidos e significativos resultados para os africanos e pessoas de ascendência africana em todas as esferas da vida.
Um dos grandes problemas apontados é de que os indicadores e dados oficiais do Estado não dão conta da realidade que é relatada por vítimas e familiares e instituições da sociedade civil que fazem levantamentos, mineração, sistematização e perfilhamento de dados. A invisibilidade dos perfilamentos de gênero, raça e etnia, por exemplo, nos arquivos oficiais são também responsáveis por desqualificar e/ou impedir a criação e tomada de medidas institucionais para a proteção e garantia do direito à vidas das populações negras, afrodescendentes e africanas em diáspora.
Segundo o relatório, a escassez de dados oficiais desagregados por raça ou etnia continuou a representar um grande obstáculo para detectar e abordar adequadamente as manifestações de racismo sistêmico em todas as esferas da vida. Com algumas exceções, os dados desagregados por outros fatores, como sexo, gênero e idade, geralmente não existiam. Os dados oficiais, quando disponíveis, muitas vezes não levavam em conta as experiências interseccionais, de modo que esses motivos eram difíceis de identificar e, às vezes, invisíveis.
Para a Conclusão, o relatório faz recomendações para reverter a cultura de negação, desmantelar o racismo estrutural e acelerar o ritmo de ações para isto. Foram indicadas medidas que abordassem de forma holística, com bases interseccionais e intergeracionais evidências reais sobre a situação de pessoas negras e afrodescendentes, bem como a criação de ações que se deem de forma acelerada e qualificada a possibilidade de transformação da situação de risco e vulnerabilidade, que se estende da colonização até o presente momento.
Segundo eles o parâmetro do sucesso na promoção da justiça e da igualdade racial deve ser as experiências de vida dos afrodescendentes, tanto aquelas relatadas pelos próprios afrodescendentes quanto aquelas fornecidas por dados oficiais e outros abrangentes desagregados por raça ou origem, etnia e outros fatores . Portanto, os Estados devem ouvir os afrodescendentes e suas organizações, contar com sua participação efetiva e agir para atender às suas preocupações.
O Alto Comissariado também pontua, no documento, organizações regionais, nacionais e internacionais que produzem e auxiliam no enfrentamento a violência de Estado e Justiça Racial. A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial foi uma das organizações brasileiras citadas, junto ao Instituto de Defesa da População Negra – IDPN, Conectas, GENI/UFF, Justiça Global e Labjaca, com denúncias e notificações enviadas sobre a Chacina do Jacarezinho, ocorrida em 2021.
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