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por Patrick Melo – Assessor de Comunicação da IDMJRACIAL com colaboração de Juliana Muniz consultora do Fan Baixada

No último sábado, 29 de julho de 2023, a IDMJR realizou a terceira edição do FAN Baixada – Festival Audiovisual Negro da Baixada Fluminense, no Instituto Enraizados em Morro Agudo, Nova Iguaçu. Nesta edição, foram selecionadas obras de 4 categorias: fotografia, podcast, filmes temática Violência Policial e Memória das Resistências e, pela primeira vez, a categoria filme de temática Livre.


O III FAN Baixada começou com uma sessão especial do documentário “Baixada Viva”, fruto do edital Ações Locais: Abolição das Polícias e das Prisões da IDMJREm seguida, a programação foi dividida por blocos temáticos seguidos de debates profundos e premiações.

Mas em qual encruzilhada a temática de violência policial se encontra com os movimentos da cultura? Quais as perspectivas contadas a partir das produções premiadas e porque elas se encontram neste lugar?

Há muito assistimos livremente a formação ideológica de uma rede de empresas, públicas e/ou privadas, construindo narrativas hegemônicas sobre toda e qualquer história na sociedade. Histórias polarizadas sobre perdedores e vencedores, sobre crimes e justiça, sobre violência e pacificação, guerra e paz, sempre partindo do ponto onde as comunidades negras e periféricas se encontram em destaque em papéis que reforçam e legitimam anos de colonização, exploração, expropriação e apagamento.

Neste sentido, o FAN Baixada 2023 reiterou a importância das produções independentes, de artistas, coletivos, agências e produtoras ao construírem caminhos e narrativas e materializar em suas obras todos os sentidos de resistência; bem como a necessidade urgente de diálogo entre estes agentes culturais na elaboração de redes de apoio e fortalecimento para o enfrentamento à essas violências.

A cineasta Juliana Muniz, que participou dessa edição colaborando na organização, curadoria e programação do festival, coloca: “É fundamental sublinharmos que os territórios da Baixada Fluminense estão demarcados com cultura, com arte e com vida. O cinema é uma ferramenta muito interessante, não só em sua produção, como também através de sua exibição, capaz agregar e proporcionar formas de interação que batem de frente com um dos objetivos centrais da violência do Estado e do capitalismo: nos fragmentar de inúmeras maneiras através do racismo e quebrar o sentido de comunidade. O III FAN Baixada foi isso, uma demarcação de vida através do cinema, da arte e do encontro coletivo”. 

Denilson Silva Barbosa, da equipe do filme “Linhas”, um dos finalistas do festival, reflete no debate: “Fazemos parte de uma nova geração do cinema negro (…) Essa nova geração está aí pra apresentar outras coisas para nossas produções… A população negra precisa contar outras histórias. Não vamos ficar só no local que querem nos colocar, cada detalhe desse país foi escrito por mãos negras e podemos falar de qualquer coisa”. E é exatamente neste ponto onde estamos, construindo novas possibilidades e somando no fortalecimento de agentes culturais negros e periféricos da Baixada Fluminense.

A Mostra Livre, inédita nesta edição do FAN Baixada, exibiu obras que também discutiram resistência e memória. Trataram da proteção do legado das religiões de matrizes africanas e da tradição oral, como no curta “Samba de Griot”, do Mestre Macedo Griot; resgataram a antiga – e também pouco conhecida – relação da cidade de Nova Iguaçu com a cultura dos cinemas de rua e com as dificuldades de ser artista na Baixada Fluminense, como vimos no curta “O Último Cinema de Rua” dirigido por Marçal Vianna, vencedor da mostra. Encerrando a sessão, o público todo se balançava com o groove dos bailes em “Um dia com os Blacks que ainda existem”, filme de Márcio Grafitti que resgata a resistência negra nas pistas de soul pelo Rio de Janeiro.

Se imagens em movimento contaram e reviveram histórias no FAN, as fotografias também envolveram a todas e todos presentes através dos os emocionantes relatos dos finalistas: Joyce Barbosa sobre sua foto “Banho de Mangueira”, Adrielle Silva sobre sua foto-colagem “Austin not Texas” e Márcio Grafitti sobre sua foto “, a Dança de Omolu Obaluaê”, vencedora da categoria. “Não é somente uma fotografia, é um encontro espiritual, é uma resposta daquele momento que se perpetua até hoje” –comenta Márcio. 

Encerrando a programação, a Mostra Violência Policial e Memórias da Resistências instigou debates importantes sobre como o cinema pode abordar de diversas maneiras o tema central do festival. Seja como um compilado histórico, como no caso do “2013+10” do Mídia Independente Coletivo, que marcou a memória da luta através de manifestações desde 2013, ou de maneira mais sutil e poética como no caso do filme “Linhas” de Luis Gomes, que rompe com a expectativa da violência nos territórios da Baixada Fluminense. Já o filme vencedor “Nossos passos seguirão os seus…” de Uilton Oliveira, remonta a história de Domingos Passos, negro, carpinteiro, sindicalista e anarquista, encarcerado diversas vezes entre 1919 e 1928. A coordenadora executiva da IDMJR Giselle Florentino comenta que “a produção deste filme que reconta o legado e a memória de lutas do Domingos e de toda classe trabalhadora precisa ser celebrada. Mesmo sob diversas violências imputadas pelo Estado ainda compartilhamos sonhos de emancipação social.

Foto: Jeferson Zappa.

As premiações ficaram divididas em filme, fotografia e podcast compondo a seguinte ordem:

Categoria Filme temática livre:

1° lugar – Último Cinema de Rua (Dir. Marçal Viana, 2021) 

2° lugar – Um Dia com os Blacks que Ainda Existem (Márcio Grafitti, 2017)

3° lugar – Samba de Griot (Prod. Nathalia Grillo, 2017)

Categoria Filme Memórias de Resistência e Violência Policial:

1° lugar – Nossos Passos Seguirão os Seus (Dir. Uilton Oliveira, 2022)

2° lugar – Midiativismo e memória – 2013 MAIS 10 (Dir. Kaolin Vesterka e Jacob Geuder)

3° lugar – Linhas (Dir.Luis Gomes, 2022)

Categoria Fotografia:

1° lugar – A Dança de Omolu.Obaluaê (Marcio Grafitti)

2° lugar – Banho de mangueira: a cultura viva das favelas cariocas através de suas crianças pretas (Joice Barbosa)e Austin Not Texas “ BXD” (Adrielle Vieira)

Categoria Podcast:

1º Lugar – Corpo-Alvo: A violência do Estados e Resistência (Natã Rodrigues Mourão)

Foto: Jeferson Zappa

Além da importância de fortalecer a construção de produtores negros da Baixada Fluminense, de endossar narrativas contra-hegemônicas, fortalecer e possibilitar redes, a partir do FAN com temática central Memórias de Resistência e Violência Policial, a IDMJR tem a responsabilidade de fazer importantes provocações no sentido de materializar o que pra muitos seria lido como “verborragia”, ou um ato de falar frases desprovidas de sentido e/ou sem importância.

Iyá Wanda Araújo, Iyalorixá e Agitadora Cultural afirma que: durante a pandemia a cultura foi a primeira a parar, e também foi a primeira a se levantar, mesmo sem dinheiro, de forma criativa para que as pessoas não adoecessem. Mas é importante salientar que, além das escolhas de construir e se utilizar de determinadas narrativas e discursos hegemônicos, o Estado tem definido materialmente a sua principal escolha política. O investimento nas polícias e na militarização da vida em detrimento de toda e qualquer possibilidade de liberdade de pensamento e construção.

Na Composição Orçamentária do Estado do Rio de Janeiro – PLOA  2023, enquanto as secretarias de polícia civil e militar receberam mais de 16% do orçamento total, a pasta de cultura acumulou menos de 2%. O Estado não está refém da polícia. O Estado é produtor do discurso (que endossa as violências) e dos produtos finais, as mortes nas favelas e periferias.

Portanto, realizar o FAN Baixada é mais do que colocar a violência policial, o racismo e a segurança pública no cenário cultural, é possibilitar um espaço de ajuntamento e reflexão coletiva sobre o que temos produzido como forma de resistência, pensar os caminhos futuros para o audiovisual negro e coletivizar estratégias de autodefesa, para que não se percam as construções que possibilitam e possibilitarão que pessoas pretas e periféricas continuem produzindo arte, e que o façam com a tranquilidade de estarem vivas e contando as histórias que quiserem contar.

Para o coordenador executivo da IDMJR, Fransérgio Goulart, ficou claro que o III FAN Baixada, se concretizou ali, coletivamente, um espaço de resistência, cuidado e autoproteção. “O discurso de autodefesa apareceu com frequência, não apenas sob uma perspectiva de estar em posição defensiva, de responder a ataques, mas também se definindo pelo cuidado coletivo e cotidiano.”

Por fim, reiteramos a espinhosa missão de escolher entre obras tão importantes, mas agradecemos a participação e presença de todas as pessoas na III Edição do FAN Baixada.

Precisamos tentar, exaustivamente, expor o que aconteceu aqui hoje.”

Denilson Silva Barbosa, sobre o III FAN Baixada.


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