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por Patrick Melo e Patrícia Silva

No último sábado, 11 de março, participamos da Audiência Popular de Segurança Pública da Baixada Fluminense, que aconteceu no Gomeia – Galpão Criativo, em Duque de Caxias. Uma iniciativa incentivada pelo Fórum Popular de Segurança Pública – FPOPSEG, articulação que aglutina dezenas de movimentos,  sociais, de favela e de familiares de vítimas do Estado, organizações da sociedade civil, universidades e ativistas independentes; tem como objetivo construir uma nova percepção sobre Segurança Pública pautada pelo povo negro, periférico, e que tenha a garantia da via e do bem viver como princípio fundamental. Esta foi a 5ª edição incentivada pelo FPOPSEG e contou com a  participação  total de 54  representações de diferentes municípios como Belford Roxo, Duque de Caxias, São João de Meriti, Queimados, Japeri, Paracambi e Magé. 

O encontro teve início com a provocação de lideranças e representantes de organizações da Baixada e da região metropolitana sobre as quatro temáticas norteadoras do encontro: (i) controle das polícias – Fabbi Silva da Casa Fluminense, (ii) impactos da segurança pública na vida da criança e do adolescente – Danni Lopes do Movimenta Caxias, (iii) violência contra a mulher e de gênero na segurança pública – Ivanete da Silva do Fórum Municipal dos Direitos das Mulheres de Duque de Caxias, (iv) violência de Estado e milícias na Baixada – Fransérgio Goulart da Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial. E assim quatro grupos de trabalho foram criados para debater e propor estratégias efetivas de mudança na prática da  segurança pública em suas Comunidades.

Acompanhe aqui a sistematização dos encaminhamentos dos Grupos de Trabalho (G.T.) apresentados na Audiência:

G.T. Controle das Polícias:

  1. Execução e ampliação do uso de câmeras corporais pelas polícias, tendo como prioridades os batalhões mais letais e as Forças Especiais BOPE e CORE, bem como alterar as dinâmicas de armazenamento, acesso e gestão do equipamento pelos policiais (como desligar e ligar as câmeras quando quiserem) e o uso de câmeras e GPS nas viaturas.
  2. Garantir a participação de movimentos e organizações da Baixada Fluminense no espaço do CISPBAF (Consórcio Intermunicipal de Segurança Pública da Baixada Fluminense), junto ao poder público. Também garantir a participação da Defensoria Pública, MPRJ, MPF e OAB.
  3. Construção de uma CPI do Arrego (comissão parlamentar de inquérito) para investigar operações clandestinas, controle e investigação financeira dos policiais.
  4. Criação de Ouvidoria Externa do Ministério Público e lei complementar que obrigue o Ministério Público a prestar contas regularmente sobre os resultados das operações e outras ações policiais.
  5. Criação de Observatório Permanente da Polícia Militar com participação da sociedade civil, com objetivo de controle.

G.T. Impactos da Segurança Pública na Vida da Criança e do Adolescente:

  1. Acompanhamento e incidência política frente aos Conselhos Tutelares e rastreamento de candidaturas com bases territoriais para concorrer nas eleições à conselheiro tutelar.
  2. Garantir as medida da ADPF 635 de restrição de operações policiais em horário escolar (bem como períodos de entrada e saída das escolas)
  3. Elaboração de uma carta-diagnóstico com dados de instituições que trabalhem com a temática de segurança pública e o impacto na vida de crianças e adolescentes das operações policiais para apresentar ao Poder Público no sentido de implementar a medida da ADPF 635 citada acima.
  4. Estratégia de educação popular pautada na Lei 10.639/2003, com ações sob linhas de combate ao racismo, sexismo e divisão social de classes, no âmbito da Educação Formal nas escolas dos municípios baixadenses.
  5. Trabalhar e provocar nas escolas formais as temáticas de abuso e exploração infantil, racismo religioso e violências que atravessam os territórios da Baixada e, portanto, as crianças e adolescentes.

G.T. Violência Contra a Mulher e de Gênero:

  1. Protocolo de atendimento determinado por sistema integrado de serviços interinstitucionais.
  2. Qualificação de profissionais que trabalham com atendimento a mulheres e população LGBTQI+ em situação de violência.
  3. A implementação do uso das categorias gênero e sexualidade em dados cadastrais nos órgãos que lidam com vítimas de violência de gênero.
  4. Implementação de programas educacionais nas escolas que trabalhem o combate a violência de gênero e contra a mulher (ex: Lei Maria da Penha nas Escolas)
  5. Presença do Estado com políticas públicas sociais para além da polícia.

G.T. Violência de Estado e Milícias na Baixada:

  1. Monitoramento de movimentações financeiras de polícias, bombeiros e demais agentes da forças de segurança para construção de um demonstrativo que a vida levada por estes agentes vai além das condições possibilitadas pelos seus salários;
  2. Mobilizações comunitárias sobre a militarização, racismo, milícias, memória e pertencimento.
  3. Ocupar espaços políticos com os nossos corpos.
  4. Construir histórico de vereadores, deputados e gestores públicos com ligações com as milícias. 
  5. Fomentar a discussão e demandar do poder público políticas habitacionais, de mobilidade urbana, cultura, saúde, geração de renda, educação etc.

As discussões nos grupos de trabalho demandavam dos participantes que trouxessem reflexão sobre a vivência e execução de políticas de segurança pública em seus territórios a partir das temáticas de seus grupos. O que se percebe, basicamente, é que os territórios da Baixada Fluminense histórica e estruturalmente são geridos de forma a manter a política de ausência de acesso a direitos básicos, criando vácuos que são ocupados por dinâmicas de controle e disputas territoriais pelo Varejo de drogas e milícias que se movimentam a partir das demandas destes territórios, e outras que são padronizadas em todos os municípios; isto, com a participação ativa do Estado de forma a atuar ou se omitir diante deste quadro, bem como a correlação de parlamentares e gestores públicos locais e regionais principalmente com frações, famílias e grupos de milícias.

De acordo com levantamentos feito dos últimos anos, mapeados pela IDMJRacial, sobre os batalhões de polícia mais violentos, temos sempre boa parte dos batalhões mais letais situados na Baixada Fluminense. Estes apresentam os maiores índices de letalidade, encarceramento, chacinas – por vezes não veiculados nas mídias hegemônicas e com denúncias em tribunais internacionais formalizadas -, sem contar com os altos índices de feminicídios e desaparecimentos forçados, tendo Duque de Caxia o 15º Batalhão de Polícia Militar como o mais violento da região. Portanto, salientamos a urgência latente de reflexão, e a necessidade de apontamentos para a construção popular e coletiva de uma outra política de segurança pública, baseada na possibilidade de vida para as populações negras e periféricas, para o desfinanciamento das corporações policiais e vislumbrando o fim das polícias como encaminhamento inevitável.

A exemplo disto, estávamos encerrando esta matéria no fim da tarde de ontem (17/03), quando denúncias chegaram até nós da IDMJRacial de que, após uma operação policial no Pilar, em Duque de Caxias, o caos se instalou no Pilar, Gramacho e em parte da rodovia Washington Luís com ônibus e carros incendiados. O que provocamos e precisamos compreender é: isso é Violência do Estado. Pois se determinados grupos têm capacidade de produzir esta situação, ocorre pela ação e/ou omissão do Estado.

Durante esta semana, a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro informou que câmeras estavam instaladas nos uniformes da polícia militar, inclusive no 15º BPM (Duque de Caxias), que esteve na operação policial no Pilar de ontem, mas moradores e moradoras dizem não ter visto nenhum agente com câmera. 

Com ou sem câmeras, a violência segue sendo financiada, construída, incentivada e endossada pelo Estado. Por isso, é importante observar e refletir com atenção as demandas dos grupos de trabalho da última Audiência Popular sobre Segurança Pública da Baixada Fluminense. As respostas para as violações de Estado, opressões e injustiças fundamentais que atingem a Baixada Fluminense, assim como o Estado, o País e o mundo, virão das periferias e povos oprimidos. Temos criado táticas e estratégias para a redução de danos dos impactos dessa violência em nossos territórios e corpos, mas a construção a médio e a longo prazo da Abolição das Polícias é uma necessidade fundamental.

“É nosso dever lutar por nossa liberdade
É nosso dever vencer
Devemos amar uns aos outros e apoiar uns aos outros
Não temos nada a perder além de nossas correntes”. 
(Assata Shakur)

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