0 8 min 1 ano

Por Monique Rodrigues

Na última sexta-feira (27) a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial promoveu uma atividade que uniu valorização da memória ancestral e luta pela emancipação coletiva, lançando dois produtos muito diferentes mas com diálogos entrelaçados.

A Padaria Love foi o espaço que nos recebeu possibilitando a realização do memorial do Mestre BUKA VIVE e o lançamento da primeira edição da revista Ruas e Encruzilhadas1. A Revista foi uma realização da IDMJR, IDPN e Movimento Independente Mães de Maio 

Contando com a presença de uma diversidade de movimentos e pessoas que trazem reflexões fundamentais para este momento das lutas de enfrentamento, contra o genocidio, pela memória, na busca de caminhos e ações que promovam outros horizontes sociais.

Debatemos a importância primordial de olhar a organização que emana das ruas como metodologia principal, sem deixar de lado outras frentes de resistências, mas colocar na atuação fora do Estado o protagonismo da luta de resistência e enfrentamento que garantem a existência das periferias, favelas e subúrbios.

No primeiro momento o memorial Buka Vive foi inaugurado como parte de uma responsabilidade em manter na vivência coletiva a imagem de Niwton da Silva. Conhecido como Buka e ex-proprietário do quiosque Oxumaré na Avenida do Pepê (Barra da Tijuca), que reunia incontáveis personalidades negras da cultura brasileira, que foi fechado e desapropriado pela prefeitura da cidade do RJ mesmo tendo o espaço conseguido o tombamento histórico cultural.

Frente a demanda de uma família negra que retirava dali o seu sustento, o processo foi arbitrado em todas as etapas até a expulsão de Buka . Atuante defensora da memória de Mestre Buka, a filha do mestre a Iyalorixá Wanda D’Omolu marcou a presença desta ancestralidade como uma condição de eterna luta pela emancipação da cultura negra.

Posterior a essa homenagem seguimos com o lançamento da primeira edição da Revista Ruas e Encruzilhadas que apresenta a temática da abolição prisional e das polícias a partir de textos e imagens de pessoas em distintas experiências de saber diante a luta de enfrentamento a violência de Estado, o genocidio executado pela policia e as tentativas de silenciamento dos territórios em vulnerabilidade.

O professor Wudson Guilherme de Oliveira, morador de Belford Roxo, teve o conto “No passeio do meu pai” selecionado para a revista e traz na sua escrita a experiência de uma criança diante o sistema prisional. 

“Esse texto eu escrevi, acho que em quatro horas, no último dia de inscrição e consegui mandar. Na minha escrita eu gosto de usar palavras antigas, oriundas dos nossos povos Bantus e Yorubas, e criei um glossário para as pessoas entenderem. Tem tanta coisa acontecendo na sociedade e a gente não percebe as invisibilidades do povo preto. A invisibilidade e o racismo são problemáticas da sociedade ainda muito enraizadas. Eu vim um pouco de pensar nas famílias pretas, o cárcere, quem são as pessoas que estão nas prisões? São homens e mulheres pretas sem a possibilidade de defesa para sair desse lugar. Eu acho que a revista precisa chegar em diversas instâncias, principalmente nas escolas da Baixada Fluminense e das favelas para a leitura do conjunto da revista a gente tentar lutar contra esse processo.”

(Wudson Guilherme)

Nesse contexto a revista vem com uma série de provocações para pensar e inflar a reflexão crítica sobre quem detém a legitimação dos processos de produção do conhecimento, em contraponto a lógica de uma narrativa hegemônica e colonizadora que hierarquiza o saber em estruturas limitadoras a partir das classes sociais, cor, gênero, cultura e sobretudo território. A professora e pesquisadora Juliana Vinuto também compartilhou suas impressões sobre a revista:

“Ao mesmo tempo que eu ocupo o espaço da Universidade que não abre espaço para fora, ter um texto publicado na revista e marcar o meu lugar de quem eu quero dialogar. Essa iniciativa é muito boa porque muitos alunos que estão entrando na Universidade e tem acesso a esse tipo de publicação faz eles terem esperança de que faz sentido para eles. Eu queria fazer parte disso para mostrar aos meus outras formas de conhecimento que é possível, assim como outra universidade também, e que deve ser valorizada. Espero que essa publicação entre nesses espaços para o diálogo entre os alunos, professores e a militância da Universidade.”

(Juliana Vinuto)

Ampliando o cenário da pluralidade que tem na revista, o fotógrafo Rafael Daguerre falou da experiência de ter um texto publicado e da importância de produção de materiais impressos. 

“Para mim foi uma experiência inovadora, eu produzo textos no âmbito do jornalismo mas dificilmente a gente tem espaço em revistas publicadas. Construir espaços para falar o que a gente pensa é muito difícil, o formato da luta independente e de muitos enfrentamentos, eu sempre tive esse desejo de participar desse processo. Eu sou fotógrafo e todos os espaços que a gente consegue criar para o diálogo são fundamentais. A revista foi muito bem pensada e o material impresso e de uma importância sem igual, atuando em um coletivo de fotógrafos, um dos nossos desejos sempre foi ter um jornal ou nossos materiais impressos, porque a gente entende que boa parte da população que a gente quer dialogar não tem acesso a internet.”

(Rafael Daguerre)

Alinhar as diversas experiências de conhecimento para gerar conteúdos que pondera e problematiza a violência de Estado produzida nas esferas da estrutura social é uma forma de indicar a abolição das polícias na constituição de metodologias práticas e do cotidiano de agentes sociais que estão em diferentes lugares de enfrentamento. Ressaltando que desta forma, sem hierarquias de legitimação a construção coletiva ganha a imagem da tão dita e deseja diversidade brasileira. 

Assim agradecemos imensamente aos participantes desse processo de construção, que são: O Instituto de Defesa da População Negra e as Mães de Maio, o artista e grafiteiro Rodrigo Mais Alto, aos escritores selecionados e todes que estiveram conosco na noite do lançamento. Sem deixar de agradecer imensamente aos gestores da Padaria Love. 

As ruas e encruzilhadas mostram a resistência!

1 https://dmjracial.com/2022/05/30/confira-a-revista-ruas-e-encruzilhadas-resistem/

Deixe uma resposta