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Por Patrick Melo


No último sábado, 30/09, a IDMJRacial lançou  a publicação Egbé – Comunidades de Terreiro e Segurança Pública, uma parceria com o Centro de Tradições Ylê Asé Egi Omim, no Clube da Engenharia (centro do RJ). O evento contou com a presença de lideranças e jovens de terreiro, militantes e representantes de organizações da sociedade civil e grupos de pesquisa de universidades.

A revista, que contou com o apoio da Fundação Heinrich Stiffüng Boll Brasil para a produção, trouxe uma análise sobre a temática urgente das sistemáticas violações de comunidade tradicionais de matrizes africanas nas regiões de Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, e da Zona Oeste da Capital Carioca; e as percepções e vivências de quatro comunidades de terreiro e seus membros com os atores envolvidos na política de segurança pública – frações de milícias, facções de tráfico e varejo de drogas e forças policiais.

O objetivo central se deu na perspectiva de demonstrar o histórico de perseguição e violação do Estado em diferentes épocas até desaguar na atual conjuntura de perseguição aos terreiros. O histórico de vilipêndio, proibição, criminalização e demonização dos terreiros por séculos, desde a escravização de africanos e afrodescendentes até a criação e ordenamento  da Polícia Imperial criada pela Coroa Portuguesa, não está descolado das atuais ações e omissões do Estado diante das violências. 

O genocídio e perseguição destas comunidades fazem parte de um projeto político de Estado racista e capitalista, que tenta minar qualquer possibilidade de contrainsurgência  ao projeto estabelecido e atualizado de colonização. Segundo Iyá Wanda Araújo, consultora da IDMJRacial e coordenadora da produção: “Não precisamos do Estado e cada portinha aberta é um projeto político, eles sabem disso e, por isso, querem acabar conosco.”

Além disso, a pesquisa também avalia as políticas de atendimento existentes no Estado do Rio de Janeiro, que a pelo menos 5 anos consecutivos aparece  entre os três estados no país com maior número de registro de violações a comunidades e membros das comunidades de matrizes africanas, dividindo o pódio com  os estados de São Paulo e da Bahia. Para a  Iyakekerê Katiuscia Lucas do Ilê Axé Obá Labi situado na Zona Oeste do Rio de Janeiro, quando se trata da DECRADI – Delegacias de Crimes da Raciais e Delitos de Intolerância: “A polícia é o último lugar onde vou, nos casos de violência. São muitas violências que atravessam uma mulher negra naquele lugar. E ainda que eu vá, só compareço na delegacia se estiver em grupo.”

Há uma constante construção e afirmação por parte de representantes de Estado na centralidade e investimento no uso de mecanismos e equipamentos policialescos para a resolução dos ataques a terreiros. Ao acompanhar audiências públicas sobre a temática do Racismo e Intolerância Religiosa a partir do projeto de Olho na Alerj da IDMJRacial, observamos que para parlamentares e representantes do poder executivo e legislativo, mesmo do campo progressista e da esquerda fluminense, oferecem encaminhamentos que estão sempre apontando para o investimento financeiro e expansão da DECRADI; isto, apesar da afirmação e solicitação por instrumentos de atendimento psicossocial e ações para a permanência e proteção de comunidades estabelecidas em seu território, feitas por lideranças, representantes e aliados das comunidades de terreiro.

Irá Wanda Araújo posiciona que “A construção dos terreiros se dá, sobretudo, na preparação da terra para que aquela comunidade se estabeleça. São laços físicos e espirituais criados, não dá para, simplesmente, pensar na retirada de comunidades inteiras de suas casas!”

A coordenadora Giselle Florentino também endossa que nada repara uma comunidade neste tipo de violação. “É necessário que se crie e invista em políticas públicas articuladas de forma intersetorial para promover o acolhimento de vítimas de racismo religioso através de um núcleo multidisciplinar que conjuguem dispositivos de assistência social, apoio psicossocial, reparação financeira, análise de riscos para possíveis defensores de direitos humanos e a promoção de ações culturais e formativas no território que sofreu a violação.”

Para Patrick Melo, pesquisador que acompanhou  os grupos, há ainda um dado alarmante quando o uso do termo racismo foi utilizado de forma unânime em todas as comunidades para definir as violações. “Não apareceu intolerância religiosa ou racismo religioso a não ser que fossem provocados no grupos, isso também declara o quanto nós, povos de Axé, temos atuado de forma a enquadrar o que vivemos aos conceitos que o Estado permite, quando na verdade, sabemos que os nossos problemas não serão resolvidos a partir de uma nação que secularmente nega um crime utilizado e atualizado desde sua fundação.”

Sobre a relação do uso da religião para justificar os ataques, Fransérgio Goulart provocou no encontro: “Vejam esta sala. Não há nenhum evangélico, autodeclarado progressista ou não, neste encontro que é aberto ao público. Em contrapartida, os povos de santo estão sempre representados em eventos sobre laicidade capitaneados por cristãos progressistas. Isso precisa ser avaliado!”

Tanto Iya Wanda quanto Iya Katiuscia afirmam que “não há possibilidades de misturas, pelo óbvio e pela história, não há participação destas figuras quando se trata desse tipo de crítica, quando estamos em nosso quadrado. Nós chegamos aqui sozinhos, articulando e nos fortalecendo, e continuaremos resistindo dessa forma, como nos ensinaram os nossos mais velhos. Com nossos AWOS – segredos- e nossas ciências que nos mantém vivos.”

No final do encontro, a IDMJRacial e o Centro de Tradições Ylê Asé Egi Omim informaram que um relatório de Denúncias já foi enviado ao EMLER, mecanismo da ONU especializado para promover a justiça racial e a igualdade na aplicação da lei, que irá visitar o Brasil em novembro de 2023, e propôs que o mesmo realizasse uma visita técnica na Baixada Fluminense para avaliar a relação de grupos de milícias, facções de tráfico e varejo de drogas e as forças policiais, bem como a omissão e os tratamentos do Estado diante dos casos de violação de terreiros na região.

Afirmam ainda que esta publicação é o início de um projeto coletivo, a intenção é que, com aporte financeiro ou não, os grupos e relatórios sejam mantidos e levados a outras casas para acompanhamento do tema e fortalecimento das articulações locais dos terreiros.

“Os terreiros subvertem a lógica do Estado, então, a quem interessa os ataques a terreiros senão ao próprio Estado?”

A publicação Egbé – Comunidades de Terreiro e Segurança Pública já está disponível! Acesse!

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