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Por Giselle Florentino


Os marcos da  formação social da Baixada Fluminense vão para além da construção ferroviária e das Igrejas como fomento aos centros urbanos. Nossa história não inicia a partir do marcador da civilização européia e seu sistema de exploração colonial baseado na subjugação de povos.

Há registros de vida social na região da Baixada Fluminense, em torno de 7 mil anos atrás, por exemplo os sambaquis1, que  são sítios arqueológicos que encontramos depósito de restos de mariscos, ostras, caranguejos, ossos de peixes e de mamíferos marinhos acumulados por populações pré-históricas no litoral. 

Nossa história como povo da Baixada Fluminense não se inicia pelos laranjais da Casa Grande! As terras do então denominado Recôncavo da Guanabara, atual Baixada Fluminense, eram povoadas por Quilombos e Mocambos desde 1800, que exerciam um papel fundamental na história da resistência coletiva, organizando diferentes frentes de produção e escoamento de itens de consumo e matérias primas.

Muitas destas comunidades quilombolas eram comandadas por mulheres negras, que à frente de complexos sistemas, mantiveram a luta pela liberdade como uma das mais fortes certezas das suas existências.

O complexo de quilombos levava o nome de Hidra Iguassú2, Na mitologia grega, a “Hidra de Lerna” era um monstro que habitava um pântano junto ao Lago de Lerna. Era um monstro com corpo de dragão e três cabeças de serpente, mas quando uma dessas cabeças era cortada, nasciam mais duas no lugar. Além disso, o hálito da Hidra era venenoso. Apenas de cheirar os seus rastros, os homens morriam em terrível tormento. O complexo de quilombos ficou conhecido como a “Hidra de Iguassú”, a Hidra uma analogia ao monstro quase indestrutível da mitologia grega, Iguaçu em função do rio que ainda corta o território do município de Duque de Caxias. 

As áreas comandadas pela Hidra de Iguassú fundaram a região da baixada fluminense, que desde sua origem é um território marcado pela resistência e por lutas contra as violações do Estado, durante seus quase 100 anos de existência a Hidra foi configurada como o principal problema de segurança pública para o governo brasileiro devido a dificuldade de captura e subjugação deste aquilombamento.

Por isso, em mais um 30 de abril, Dia da Baixada Fluminense, destacamos a importância de recontar o legado do povo negro, as memórias insurgentes daqueles e daquelas que resistiram e formaram a Baixada Fluminense. Não somos cidades dormitórios e nem povo sem identidade territorial, somos frutos da resistência de um complexo de quilombo que abrigava negros, povos originários, migrantes e todos aqueles que buscavam terra, liberdade e proteção.

Seguimos resistindo mesmo sob o jugo do braço armado do Estado que nos identifica como inimigos públicos desde o tempo da Coroa Portuguesa. Estamos vivos e essa é uma vitória do aquilombamento da Hidra de Iguassu. Celebremos nossas heroínas e heróis, frutos da terra da Baixada Fluminense. 


1GASPAR, M. D.; BIANCHINI, G. F.; BERREDO, A. L.; LOPES, M. S. A ocupação sambaquieira no entorno da Baía de Guanabara. Revista de Arqueologia, [S. l.], v. 32, n. 2, p. 36–60, 2019. DOI: 10.24885/sab.v32i2.695. Disponível em: https://revista.sabnet.org/ojs/index.php/sab/article/view/695. Acesso em: 30 abr. 2023.

2Segundo a pesquisa do livro “Histórias de Quilombola: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX” essas diligências foram realizadas nos anos 1812, 1816,1825,1826, 1828,1830, 1837, 1859, 1860, 1862, 1868, 1869 e 1876, sendo fracassadas todas em todas essas tentativas.

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