
Por Monique Rodrigues
No último sábado, 02 de Outubro, a IDMJR teve a honra de ocupar o espaço sagrado do terreiro de Candomblé Ilé Asè Egi Omim, que comandado pela Iyalorixá Wanda d’Omolu, possibilitou a realização do pré – lançamento do primeiro filme documentário desta instituição. Com o título de “Nossos corpos são nossos livros”, o filme vem debatendo o tema complexo e histórico dos desaparecimentos forçados no Brasil.
Dirigido pela cineasta Janaina Oliveira em parceria com a também cineasta e articuladora cultural Pamela Ohnitram o filme consegue tratar esse assunto tão cruel com a dignidade e a seriedade necessária, considerando as vítimas de desaparecimentos forçados mas sobretudo suas famílias que seguem em luta.

Contando com a participação de parceiros diversos e convidados, o filme foi bem recebido pelo público presente, e por conta da pandemia do Covid-19, optamos por realizar uma sessão de pré-estreia com público reduzido e respeitando as orientações da Organização Mundial de Saúde.
Monique Cruz da ONG Justiça Global, que esteve conosco nessa empreitada, sendo também parceira da IDMJR nos contou sobre suas impressões do filme:
O filme ressalta a importância de que organizações e movimentos incluam em suas pautas, especialmente às que se referem às violências promovidas pelo Estado, os desaparecimentos forçados como uma espécie de “auge” da desumanização fundada no racismo. Diante disso, há ainda um impacto a ser promovido e analisado. A temática, me parece ter duas “vertentes”: o terror que a ideia de desaparecimento promove, a dor de não ter os ritos de despedida de alguém que nunca mais vai voltar, e por outro lado, o racismo que descarta vidas, as das pessoas desaparecidas forçadas e as de quem vive a dor da eterna (des)esperança de rever a pessoa querida que nunca volta para casa.
Ana Clara da Open Society Foundation, ressaltou a importância da atuação dentro do território da Baixada Fluminense:
Eu achei o filme um produto incrível para engajar, construir conhecimento e partilhar saberes sobre desaparecimentos forçados, essa é uma discussão muito difícil de ser feita, tanto na academia quanto nos meios institucionais. Tem uma preocupação também com a segurança das pessoas que precisam falar sobre isso. Institucionalmente é um tema bem vindo a ser discutido e acho que a IDMJR faz isso de um jeito muito sensível e respeitoso, trazendo a legitimidade do trabalho no território da Baixada Fluminense que ainda é exclusivo de pouco.












Raquel Wiladino, do Observatório de Favelas, também esteve presente e falou com a Iniciativa sobre o impacto do filme ressaltando possibilidades na incidência política:
Eu acho este filme da Iniciativa fundamental, porque traz um tema ainda pouco debatido, o filme traz entre outros elementos a dimensão da gravidade do quadro dos desaparecimentos forçados, é muito duro mas, ao mesmo tempo, foi trabalhado com uma sensibilidade imensa. Então eu acho que tem a característica de ser uma produção muito sensível sobre um tema muito relevante e com a capacidade de contribuir de forma significante para o processo de incidência política que a Iniciativa vem construindo em suas muitas ações. E agora trazendo com muita força essa temática.
Os desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense são parte da violência sistêmica que acontece nesses territórios historicamente. Em contraponto se constrói também inúmeras ações de resistência, tanto a resistência para continuar vivo como a resistência contra o apagamento produzido pelos assassinatos e desaparecimentos forçados. O cinema produzido pelas periferias, favelas e subúrbios formam um mosaico de narrativas que são fundamentais de serem debatidas dentro desses territórios e junto aos moradores. Um dado importante é a grande rede de cineclubes existentes na Baixada que movimentam um circuito amplo de exibição desses filmes.
Caracterizado pela presença maciça da população negra, sobretudo de mulheres negras como representantes das narrativas de sobrevivência e enfrentamento, o documentário lança a voz de algumas dessas mulheres.
Conversamos com a Rachel Barros da ONG Fase, sobre pensarmos desdobramentos para o filme pois percebemos durante a roda de conversa inúmeras possibilidades:
O primeiro desdobramento é tematizar política e conceitualmente os desaparecimentos forçados na opinião pública, em organizações e movimentos que atuam contra a violência policial, encarceramento e na pauta antirracista; o segundo é mostrar com dados contundentes quanto esta é uma prática utilizada de forma recorrente pelas forças do estado. Por fim, também acho que o filme tem um grande papel educador junto aos sujeitos violados, especialmente na Baixada Fluminense, onde o terror e a coerção são a regra. Visibilizar este filme pode convertê-lo num excelente instrumento de mobilização e articulação.
Sendo denúncia, documento histórico, relatos de vida e ação de enfrentamento, o documentário NOSSOS CORPOS SÃO NOSSOS LIVROS que a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial apresenta à sociedade, tem a intenção de desnaturalizar os desaparecimentos forçados e sobretudo, caminhar junto aos familiares na constante luta contra o apagamento dessas vidas.
O filme é uma grande e importante denúncia sobre um fenômeno extremamente recorrente, mas pouco debatido no campo da violência e segurança pública. O fato de ser uma violência que é conectada com as diversas formas de por em prática o genocídio contra a população negra é a principal denuncia do filme, e foi extremamente relevante ver como as mulheres negras e periféricas continuam sendo as porta-vozes desse processo de luta contra a violência perpetrada pelo estado brasileiro. (Rachel Barros ONG Fase)
Nossa pré estréia aconteceu em um terreiro de Candomblé para marcar a presença mais que fundamental das sociabilidades que estas comunidades propõem, acreditando que existem outras possibilidades de existência. Agradecemos imensamente ao espaço sagrado Ilé Asè Egi Omim, aos filhos e filhas da Casa que se empenharam em produzir uma celebração linda, a Iyalorixá Wanda d’Omulu pela entrevista para o filme e pela sempre generosa acolhida. A IDMJR firma o compromisso com as religiões de matriz africana reafirmando a luta contra o racismo religioso. Somando voz com familiares vítimas dessa violência de Estado denominada desaparecimentos forçados, seguiremos em luta contra a banalização da vida das populações na Baixada Fluminense.





Conhecido pela presença e luta incansável junto às redes de familiares, Luciano Norberto, nosso querido Cuca, que compõe a Rede de Comunidades e Movimento contra a Violência e a Rede Nacional de Mães e Familiares na Luta contra o Terrorismo do Estado, também falou com a Iniciativa:
Esse tema e essa pauta é muito importante para nós familiares, foi muito bom , produtivo e fortalecedor esse filme, agradeço a Iniciativa por esse ato e pela coragem de produzir o filme.
Ainda este ano teremos o lançamento na Baixada Fluminense e no próximo ano o filme fará um circuito amplo de exibição em diversos espaços e a gente espera contar com a presença de todes.
Até lá!