Por: Fransérgio Goulart
A IDMJR inaugura uma série de conteúdos sobre o debate de políticas sobre Drogas, como uma forma de fomentar a discussão sobre drogas em favelas e periferias. Iniciamos esta empreitada com um papo especial, a ativista pelos Direitos Humanos e coordenadora do Movimentos: Drogas, Juventude e Favela, Jéssica Souto contou um pouco como é o trabalho e militância em uma temática tão complexa.

Fransérgio Goulart: Por que Precisamos falar sobre política de Drogas?
Jéssica Souto: Precisamos falar sobre política de drogas, porque hoje ela é a maior ferramenta de manutenção do racismo e genocídio do povo preto e pobre.
Fransérgio Goulart: Quais são os maiores desafios de falar sobre a questão das drogas nas Periferias?
Jéssica Souto: O maior desafio de falar sobre drogas nas favelas é lidar com a desinformação e o medo, da tia e do tio que acham que drogas são coisas do demônio e acabam achando legítima a forma de combate do Estado. Também tem a questão da proteção do mercado do varejista de drogas, que às vezes tem medo das falas sobre legalização.
Mas essa conversa está sendo feita fora da favela, de maneira que não inclui e nem repara os danos da querra as drogas num possível cenário de legalização e regulação. Talvez o mais difícil seja criar um elo que permita comunicar a todos de forma clara, sem conservadorismos e medo. Pois se drogas são consumidas em todo lugar, são legalizadas em outros países e livremente comercializadas e incentivadas em outros espaços da cidade, jamais será aceitável o tipo de combate armado pensado para as favelas há décadas.
Fransérgio Goulart: Como o Movimentos tem estabelecido o diálogo sobre esse tema com as favelas e periferias?
Jéssica Souto:O Movimentos tem trabalhado esse tema principalmente a partir das juventudes. Aliás são os jovens que circulam em diferentes espaços, tem a curiosidade de entender sua história e contexto, e ao mesmo tempo são os mais vitimizados pela guerra às drogas. Além de viverem de alguma forma as relações de uso de substâncias. Seja através do familiar, de amigos ou uso próprio.
Trazer para esses jovens questões estruturais como o racismo, que nos ajuda a entender por que a favela é alvo do Estado, é fundamental para a formação pessoal de cada um e também para a disseminação dessas informações, nas famílias, com os amigos etc. Falar abertamente sobre uso, abuso e redução de danos talvez seja uma das ferramentas mais potentes para desmitificar as drogas.
Se trata de entender seu corpo, o que aquela substância pode causar em você e como ela pode te prejudicar ou beneficiar por diversos fatores como a qualidade ou o tipo de uso. Queremos ajudar a criar uma geração de jovens com informações para se cuidar e cuidar dos seus sem se demonizar ou sentir que a favela merece esse tratamento.
Fransérgio Goulart: Construir a ação de legalizar e descriminalizar as drogas pode contribuir com a construção a longo prazo de territórios sem polícia?
Jéssica Souto:Acredito que seja utópico pensar a desmilitarização dos territórios apenas a partir da legalização.
Afinal, o problema atual das favelas não são as drogas, é o racismo vestindo uma nova roupagem. E infelizmente quando e se essa legalização chegar, encontrarão outro motivo para oprimir as favelas e periferias. Sem dúvidas seria um avanço gigantesco não ter mais nossos jovens encarcerados por portar ou vender um baseado, ou tendo as drogas como justificativa para um assassinato, mas essa discussão precisa ser centrada no racismo.
O que vai acontecer com quem esteve tanto tempo na ilegalidade pagando com a liberdade e a vida por uma coisa que simplesmente poderia ser legal? Serão os mesmos empresários ricos de sempre que assumirão esse mercado? Como fica o compromisso de evitar que esse ciclo se repita de outras formas novamente? Acho que nessa questão deixo mais perguntas do que respostas, por que é um caminho que tem que ser construido por quem sofreu e sofre os impactos da criminalização, quem tem que deixar de ser visto como problema e sim a solução para o caminho que queremos.
A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial iniciou recentemente o projeto Drogas, Racismo e Baixada Fluminense que conta com a parceria do Movimentos e apoio da Open Society. Fiquem de olho, em breve mais conteúdos!