
Por: Giselle Florentino
Acreditar que o mesmo Estado que organiza e executa o genocídio cotidiano do povo negro, também pode ser a instituição que promove e constrói monumentos em memória a história de lutas e resistência da população negra é uma grande ingenuidade.
Para nós, da IDMJR, a produção de memória e manutenção do legado do povo possui uma perspectiva intergeracional, principalmente para a construção de um futuro diferente e para que os atos traumáticos não mais se repitam.
A produção de memória é um recurso essencial para a promoção de um sentimento coletivo de reprovação a qualquer tipo de violação, em especial da Violência de Estado. Por isso, entendemos a memória como instrumento de justiça racial e, portanto, reparação histórica.

Quando falamos de justiça, não estamos tratando do sistema judiciário brasileiro. Não é do arcabouço jurídico branco e burguês, de uma seletividade penal encarceradora de corpos negros e nem de um Direito que serve apenas para legitimar as violações deste Estado e isenta a branquitude que ocupa tais espaços de poder.
Trata-se de uma justiça que seja historicamente reparadora e que não apenas reconheça os danos genocidas para população negra causada por séculos de escravização. Mas, que garanta a humanização do corpo negro, que seja efetivamente transformadora e que rompa com as opressões instaladas por este modo de produção de vida. É desta justiça que temos sede!
Além deste Estado não possibilitar o acesso e a publicização da memória do povo negro, ele também é um dos principais atores para a promoção de um silenciamento da produção de saberes e conhecimentos dos povos afrolatinoamericanos devido aos mecanismo de racismo estrutural que operam e fundam esta sociedade. E na atualidade, são omissos nos casos de vandalização e tentativas de apagamentos do patrimônio e dos monumentos artísticos construídos pelos diferentes movimentos sociais e organizações da sociedade civil.
“Não foi a milícia, nem os grileiros, foi a própria Orla Rio que colocou as coisas do meu pai que estavam lá há 40 anos para o lado de fora”.
Yá Wanda d’Omolú
Um caso simbólico desta política de omissão consciente deste Estado é o que ocorreu com o Quiosque Oxumarê, que durante 40 anos de atuação na Avenida do Pepê, na Barra da Tijuca/RJ, inclusive sendo patrimônio cultural do Estado do Rio de Janeiro dado pela então Vereadora Jurema Batista (PT), foi covardemente fechado pela Prefeitura do Rio de Janeiro através de medidas escusas em 2016.
A Prefeitura do Rio de Janeiro, através da Orla Rio, parou de emitir o boleto de pagamento de permanência no local, cortou a distribuição de água e luz. E em 2012, a própria empresa teria aberto um processo pedindo o ressarcimento do dinheiro não recebido.
A família de Niwton da Silva, proprietário do Quiosque Oxumarê, chegou a processar a Orla Rio pela não realização e entrega da formalização do boleto de pagamento e ganhou o processo em duas instâncias, já que acreditaram que a não emissão do boleto foi por conta do tombamento. Porém, não foi suficiente para o fechamento arbitrário do espaço, um ponto de encontro da cultura negra do do Rio.
A Ialorixá Wanda d’Omolú, filha de Niwton da Silva, ressalta que até mesmo a placa de tombamento do Quiosque Oxumarê foi destruída.
“A nossa família ficou numa situação muito difícil porque a nossa renda saía dali. Todos nós trabalhávamos ali, então temos que falar sobre isso, sim! Porque eles estão matando a gente. O Moise foi morto à paulada! Mas, ainda ocorrem muitas arbitrariedades na Orla Rio e que vem da caneta pesada do Governo, do conluio entre o Governo e os corruptores. A Orla Rio é um antro de corrupção e só fazem aquilo que eles querem!”
A Yá Wanda d’Omolú ainda acrescenta: “Não foi a milícia, nem os grileiros, foi a própria Orla Rio que colocou as coisas do meu pai que estavam lá há 40 anos para o lado de fora”.
A IDMJRacial também convive com os constantes ataque aos memoriais que produzimos na Baixada Fluminense, todas as intervenções artísticas que retratam a luta e resistência do povo negro foram vandalizados e o Estado nunca nem se pronunciou sobre esse tipo de violência de cunho racista e também misógeno.
Ademais, a familía do Moise merece receber uma indenização financiera e simbólica pelo assassinato brutal de um ente querido. Entretanto, sabemos que a região que está localizado o quiosque é uma área de domínio de milícias que atuam com extorsão a comerciantes.
Logo, precisamos também garantir a segurança e proteção deste núcleo familiar para garantir sua atuação comercial e manter o legado de Moise vivo.
Há 500 anos resistimos aos intentos de um Estado arbitrário e promovemos a continuidade do nosso legado e memória. Não acreditamos que será das mãos de um Estado genocida, racista, heteronormativo, cristão e patriarcal que será garantida e mantida a memória de lutas, vitórias, resistências, dor e muitas lágrimas dos nossos ancestrais.