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Monique Rodrigues e Nivia Raposo


O cotidiano dos desaparecimentos forçados na Baixada Fluminense é algo vivenciado pelos mais diferentes contextos dentro dos territórios vulnerabilizados e constantemente criminalizados, que sofre todo tipo de violência do Estado, e que faz parte do cenário desses lugares. Inúmeras famílias relatam desaparecimento de 15, 10, 3 anos atrás com o mesmo pesar e angústia de quem relata pouco dias de um parente desaparecido. Esses relatos têm em comum a figura da mãe como protagonista de uma constante ação de denúncia e busca pelo filho, muitas vezes essas mulheres querem apenas o direito de enterrar dignamente o corpo que o Estado ajudou a matar.

As diversas denúncias que chegam para a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial, sobre esses casos, possibilitaram uma escuta sensível que resultou na campanha ONDE ESTÁ O MEU FILHO?, que lançamos agora na tentativa de ampliar socialmente os debates sobre desaparecimento forçado, segurança pública e violência de Estado. Esses três pilares de uma violência sistematicamente destinada para a população da Baixada têm destruído famílias e a juventude desses territórios, com uma política genocida e cada vez mais naturalizada.

“Esse início de campanha me fez perceber a importância do trabalho coletivo. Não adianta tentar responder questões das quais não têm vivência. É super importante ouvir os familiares e fazer de suas perguntas uma cobrança em forma de outdoor. Seus gritos de desespero é a pergunta de qualquer mãe quer encontrar respostas. Querem saber onde estão seus filhos. Espero que essa campanha sirva para projetar esse sofrimento. Que de visibilidade para esse tipo de violação. Espero que as pessoas tenham sensibilidade suficiente para entender o quanto esses familiares sofrem. Perceber que é um sofrimento contínuo. Pois, sem a despedida não tem um ponto final…um ciclo que não se fecha. Talvez por isso o desaparecimento forçado seja um crime que lesa humanidade. Tenho esperança q essa campanha traga conhecimento. Que fale sobre um assunto que é realidade para muitos, mas que é pouco falado.” (Nívia Raposo – Articuladora de território)

Ainda muito incipiente, uma vez que o crime de desaparecimentos forçados não é tipificado, sendo tratado com um descaso absoluto pelas instituições públicas, esse contexto é de grande urgência na Baixada Fluminense. A quantidade de casos sem nenhuma resposta, os inúmeros cemitérios clandestinos, o medo e a dúvida constante sobre o que pode ter acontecido com a vítima de desaparecimentos forçados fazem parte de um panorama que compõem esse debate. No ano de 2021, esta Iniciativa lançou um boletim chamado “DESAPARECIMENTOS FORÇADOS: da escravidão às milicias” que trouxe dados específicos sobre esse crime, apontando a Baixada como espaço histórico desses processos, onde só entre 2003 e 2021 ocoreram 1,2 milhões de desapareciemntos forçados sendo 30% acontecidos na Baixada Fluminense. Essas pessoas têm histórias e  famílias que não deixam de existir nem de procurar resposta. E por isso, a campanha espalhou outdoors em pontos da cidade para tentar levar para um maior número de pessoas a narrativa desses familiares.

Ninguém nem sabia o que era desaparecimento forçado, passamos a saber com a Iniciativa, depois que meu filho sumiu. Eu com muita dor levantei a bandeira para nós mães com a ajuda da Iniciativa correr atrás e gritarmos juntas: Parem de nos matar! Coloquei a cara na rede social e gritei, pois aqui na baixada muitas tem medo de morrer. Porque o Preto pro Estado é o que? Mora numa comunidade é ladrão ou varejista de drogas. Ou é preso, ou eles mete bala. (Depoimento de uma mãe que teve o filho desaparecido forçado)

Os marcadores de raça, cor e classe também ficam evidente quando esta violência de Estado acontece na Baixada Fluminense, a maior parcela dos jovens são homens negros e formam uma amostragem do que o racismo faz com os corpos negros nas periferias. A fala das mães é muito evidente, tanto no próprio caso do desparecimento forçado como na maneira com que essa mãe e esses familiares são tratados posteriormente, seja na delegacia para a tentativa da formalidade do boletim de ocorrência, seja nos episódios de busca pela justiça nas audiências, ou seja pela notícias midiáticas que veiculam esse jovem ao tráfico de drogas, criminalizando a vítima.

Porque será que quando é um branco o caso ganha mídia? Porque são colados na classe alta, tem condições e oportunidades de várias coisas. Coisa que nós da periferia e favela dos não temos ainda mais negros ou negras . Quando você foi fazer a ocorrência. Fez articulação nas mídias sociais e depois fez o trabalho de investigação. Você sentiu o que além da sensação de estar sozinha? Descaso, falta de respeito, um descaso do Estado, senti indignada com isso. Sem poder falar nada pois fui tratada como uma criminosa. Humilhação e descaso total, porque meu filho foi assassinado. 

Essa sequência de perguntas e respostas acima é o diálogo entre as mães que formam uma rede de acolhimento e que compartilham a mesma condição de luta e enfrentamento contra a violência que destruíram suas famílias. 

Os outdoors podem ser vistos em pontos específicos da Via Light, Dutra e Avenida Brasil com frases ditas por esses familiares. Com essa campanha a IDMJR convida toda sociedade a olhar essas experiências como um alerta de que ninguém está livre de passar por isso, essa precisa ser uma luta de todos e a sensibilização é o primeiro passo. Mães e familiares merecem respeito e atenção diante das denúncias que apresentam todos os dias.

“É uma sensação de tristeza, humilhação, descaso, a gente paga nossos impostos, a gente trabalha como cidadãos, eles dizem que nós temos nossos direitos mas quando é realmente ver os direitos da gente, é tudo uma mentira.” (Mãe vítima de desaparecimento forçado)


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