
Por Fransérgio Goulart
Se você visualizasse seu filho sendo espancado por forças policiais, o que faria?
Muito se fala sobre violência, mas é necessário refletir sobre a construção de como a própria expressão monopólio da violência foi cunhada. Esse monopólio refere-se à definição de Estado exposta por Max Weber em A política como vocação (Politik als Beruf). Neste ensaio Weber fundamentou uma definição de Estado que se tornou clássica para o pensamento político ocidental cristão, patriarcal e heteronormativo quando este atribuiu o monopólio do uso legítimo da força física dentro de um determinado território, a partir da coerção.
Essa construção ajudou a legitimar a legalidade dentro de um sistema de justiça do capitalismo, em que o Estado é a única entidade que pode exercer a autoridade, através do uso da violência, sobre determinado território e corpos.

O monopólio da violência assim fica restrito e exclusivamente à competência de agentes do Estado e não de outras entidades da sociedade. Em que esse monopólio é protagonizado materialmente através de forças policiais e também do sistema de justiça.
Partilhamos da concepção do Estado de Lênin (2005) como uma máquina de violações de classes, garantindo a dominação de uma classe pela outra utilizando aparelhos coercitivos para manutenção dos privilégios da ordem burguesa através da subjugação, controle e expropriações da classe trabalhadora. Portanto,
“A maior de todas as violências do Estado é o próprio Estado. Ele é, antes de tudo, uma força que sai da sociedade e se volta contra ela como um poder estranho que a subjuga, um poder que é obrigado a se revestir de aparatos armados, de prisões e de um ordenamento jurídico que legitime a opressão de uma classe sobre outra.” (Iasi, 2013 p.1)
As diferentes faces de violência do Estado perpassaram toda a formação social e econômica brasileira desde o tempo de colonização até o atual período dito democrático. Seja pelo aprisionamento e a retirada forçosa de corpos de seus territórios, ou através da exploração de matérias-primas para garantir o processo de acumulação do capitalismo mundial ou até mesmo pelos processos de financeirização e liberalização econômica e financeira.
Ressaltamos que a função social da polícia é ser o braço armado e repressivo do Estado, atuando para a manutenção da ordem burguesa e a proteção do caráter inviolável da propriedade privada. A invenção de guerras e a construção de inimigos é um força motriz de produção e reprodução do capital.
Deixemos uma outra pergunta: quantas vezes você não quis xingar ou agredir um policial? E, porque não o fez?
A partir desta indagação queria dialogar sobre o pacifismo e o discurso de direitos humanos que age sobre nossos corpos apontando em interface com o conceito da branquitude a consolidação por parte do Estado do monopólio do uso da violência.
O discurso pacifista observado, por nós, da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial é oriundo dos privilégios da branquitude, que têm seus corpos historicamente resguardados e intocáveis nessa sociedade.
O discurso pacifista da branquitude está a serviço do capital, principalmente quando exerce o controle nos corpos negros e/ou periféricos para impedir qualquer tipo manifestação contrária a ordem, inclusive de produzir violência. Está cada vez mais difícil o fomento de insurreições, revoluções e resistências armadas, devido a toda cooptação dos movimentos sociais na diplomacia do capital. Em que o resultado foi o apaziguamento das lutas sociais devido ao comprometimento com as negociatas nas esferas governamentais e institucionais.
Um exemplo de como o discurso pacifista é utilizado para enfraquecer levantes e reivindicações populares é a criminalização de movimentos sociais que utilizam de estratégia de enfrentamento e ações diretas. Durante as lutas de Junho de 2013, não faltou tentativas de setores da esquerda institucional e partidária para criminalizar e punir grupos que ousaram utilizar táticas de enfrentamento combativo e direto ao Estado.
“Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor.” Malcolm X
Em o Capital, Karl Marx já apontava que a violência é uma espécie de parteira da história, na construção de novas sociabilidades. Logo, faz parte do processo de ruptura, por isso não podemos nos render que o monopólio da violência seja exercido pelo estado apenas. O próprio Malcolm X – entre outros comunistas e anarquistas, ressaltou que ninguém é partidário da violência. Mas, devemos encarar como uma autodefesa para os oprimidos, pois trata-se de tão somente uma reação a violência estrutural do capitalismo. Por isso, não devemos rejeitá- la, em absoluto. E sim, vê-lá como reflexo e consequência da luta de classes em diferentes contextos e conjunturas.
Esse pacifismo junto com o discurso de não violência dos direitos humanos, faz com que no imaginário das sociedades capitalistas o Estado seja o único regulador e executor de quem pode ter monopólio do uso da violência, no caso ele e as frações de classe dominante.
Em uma sociedade capitalista temos que ressaltar que a Polícia foi fundada com uma função social bastante específica ser o braço armado e repressivo do Estado que atua para a manutenção da ordem burguesa e a proteção do caráter inviolável da propriedade privada. Logo a polícia está a serviço da dominação capitalista e historicamente tem o monopólio do uso da violência formalizado dentro do sistema de leis, sendo o instrumento repressivo e de coerção contra os trabalhadores/as, contra a juventude, contra os movimentos sociais e sobretudo contra a população negra.
Como afirma Elsa Dorlin em seu livro autodefesa – uma filosofia da violência, o monopólio da violência se centraliza no Estado e em determinados corpos, mas cabe a nós como Elsa Dorlin, fomentar as indagações do por que o Estado a partir das polícias , das milícias e de determinados grupos, apenas eles podem exercer este monopólio do uso da violência e também ter o direito a legítima defesa.
Em tempos no Brasil e no mundo de cada vez mais assassinatos de defensores/as de direitos humanos, militantes negros, favelados, lgbtqi+, feministas não nos caberia evocar a história de construções do uso da violência como instrumento de auto defesa como fizeram os quilombos, as sufragistas em Londres em 1890 com seu jiu-jitsi, os Panteras Negras nos anos de 1960 e as patrulhas queer em 1970?e como palestinos até hoje?
Continuaremos a ser assassinados e espancados , aceitando de forma pacífica até quando? A legítima defesa ao longo da história como afirma Elsa Dorlin foi sempre garantida para sujeitos e instituições que estão em posição de dominação, e não de populações racializadas.
Para IDMJR na conjuntura atual não poderemos nos alijar de produzir a nossa autodefesa contra esse monopólio construído do uso da violência por parte do Estado e nessa lógica ir consolidando cotidianamente como aponta Angela Davis dispositivos abolicionistas para determinarmos o fim das polícias e prisões