
Por: Beatriz Vidal
Imaginei trazer diversos dados estatísticos e artigos para corroborar com essa temática que vem sendo cada dia mais debatida, mas pensei, porque não fazer algo diferente?
Vamos fazer um exercício de imaginação? Pensemos sobre nossa sociedade atual, em como ela foi estruturada para chegar ao que é hoje e, qual foi o papel dos homens e mulheres dentro desta. Sabemos que cargos de liderança, protagonismo, comando e organização ainda são desempenhados majoritariamente pelos homens, assim, o exercício é pensar: e se fosse o contrário? e se mulheres ocupassem esses espaços de protagonismo? Se as mesmas ocupassem cargos de liderança e os homens passassem a estar em segundo plano, que transformações poderiam ocorrer em nossa sociedade?

O mundo ainda é pautado na força, trazendo consequências como guerras, violência e domínio. Acontece que observando o lado fictício e citando o livro “The end of Men” da jornalista israelense Hanna Rosin[1], o referido trás a figura não do fim dos homens literalmente, mas do protagonismo destes dentro da sociedade, e em um mundo considerado utópico e fictício, ocorresse uma grande transformação no mercado de trabalho que acaba favorecendo as mulheres.
Assim, características como inteligência social e facilidade de comunicação são fatores fundamentais no mundo pós-industrial, deixando para trás um mundo que dependeu muito da imposição da força bruta e tamanho dos homens, sendo apreciado, na visão da autora do livro, um novo mundo baseado em informações e em serviços, com o mercado premiando valorizando qualidades opostas, que não podem ser reproduzidas por máquinas e que, são consideradas femininas.
E a principal razão para essa transformação, são as mudanças que vêm ocorrendo em nosso mundo, em nossas relações pessoais e de trabalho e até mesmo na forma como nos relacionamos com nosso próprio corpo. Essas transformações exigem que as pessoas comuniquem-se mais, que façam muitas coisas ao mesmo tempo, exigem habilidades que culturalmente são tidas como femininas e exige, sobretudo, flexibilidade.
Deste modo, o que faz uma pessoa ter sucesso hoje é muito diferente do que era antes. Há outro ponto importante: nós mulheres sempre achamos que precisamos trabalhar mais porque a todo instante estamos ficando para trás, o mundo é mais difícil para nós do que para os homens, e assim, precisamos mostrar mais vontade e energia.
Logo, vemos que o mundo fictício do livro conversa com nosso mundo real, e essa é a ideia da reflexão ao modificarmos um detalhe hoje, considerado uma utopia, amanhã pode transformar-se no real, presente e usual.
Porém, para modificarmos o amanhã é necessário que o papel dos homens seja mais profundo do que sempre foi, nas palavras de Kelli Mafort, que faz parte da coordenação do MST[2], “quando o homem se envolve no tema do feminismo, ele não pode se colocar num lugar de apoio à libertação das mulheres. Ele tem que se colocar num duplo lugar: primeiro, como uma pessoa impactada pelo modelo patriarcal e por uma masculinidade que foi criada para ser funcional a essa sociedade patriarcal. A ideia de que “homem não chora”, que deve ser o provedor, desenvolveu historicamente uma carga que acabou apartando os homens da dimensão do afeto, da delicadeza, e do cuidado.
“O feminismo pode libertar os homens das amarras que também os prendem. Se sou homem não posso chorar, não posso errar, não posso fracassar, não posso me envolver emocionalmente e por aí vai todo um código machista, que todo homem já cumpre desde antes de nascer.”
(Beatriz Vidal)
Por outro lado, o homem tem que se incomodar com este lugar que é um lugar de privilégio. Mesmo os homens da classe trabalhadora estão num lugar de privilégio em relação às mulheres, por conta da divisão sexual do trabalho. Então, se não houver uma intencionalidade radical dos homens de enfrentar a divisão sexual do trabalho, sua reprodução fica com uma aparência de natural.”
Assim, faz-se necessário a modificação a partir da base, passando por um processo de formação política, porque é necessário compreender como o patriarcado está estruturalmente organizado na sociedade e se reproduz também no cotidiano da nossa vida. Nas palavras da cientista social Ana Prestes[3], além de garantir direitos iguais às mulheres, o feminismo também serve para libertar inclusive os homens das “amarras” da sociedade patriarcal. Segundo a mesma, a ideologia que está por trás do desenvolvimento do feminismo, “é a do antipatriarcado e também a da democracia”, em busca de um mundo mais humanizado, solidário, com igualdade de direitos.
Esse processo de formação dos homens, passa não só por compreender o trabalho que as mulheres têm feito, mas também quais são as formas de violência que os homens praticam cotidianamente, seja nos territórios, seja na atuação política. A violência física é a mais nítida, mas temos também a violência sexual, patrimonial e simbólica de maneira geral. Essas formas de violência não estão claras para os homens, elas precisam ser faladas, e uma forma de dizer é com a formação política que requer estudo, leitura e formação.
Estamos ainda muito longe de vivermos em um mundo seguro e digno para as mulheres. Em todos os aspectos da vida precisamos avançar. No laboral, onde nossos salários são menores e enfrentamos preconceitos de todo tipo. Na família, onde ficamos com toda sobrecarga do trabalho doméstico e das crianças. A violência obstétrica e o impedimento ao aborto, na saúde reprodutiva. Ou na maternidade, com a falta de acesso à creche e a dificuldade para se reinserir no mercado de trabalho. Eu poderia discorrer aqui sobre uma série de aspectos e demandas que justificam a existência do movimento feminista.
Precisamos debater o papel dos homens sobre a temática! O machismo é a expressão cotidiana de uma sociedade patriarcal em sua estrutura. Na sociedade patriarcal, ser pai, no sentido do exercício da paternidade não é mérito. É demérito. Cabe ao pai ser o provedor, o mantenedor, o guardião, mas nunca o cuidador, o educador. Na sociedade patriarcal, é bonito e louvável o homem forte fisicamente e trabalhador, que põe a comida na mesa da família, mas não é bonito e digno de elogio o homem que não trabalha para cuidar da casa ou homem que troca a fralda dos bebês, que faz o dever com as crianças. Esse homem é visto como fraco e afeminado e, recebendo muitas vezes o rechaço, sarcasmo, hostilidade e ridicularização. Essa é só a parte aparente de uma sociedade estruturada através do patriarcado.
Deste modo, um movimento que prega a igualdade de direitos, como o feminismo, traz, sim, muitos benefícios aos homens. Primeiro que humaniza as relações, propõe uma sociedade em que, independente de sermos pai ou mãe, somos essencialmente cuidadores dos pequenos que colocamos no mundo. O feminismo pode libertar os homens das amarras que também os prendem. Se sou homem não posso chorar, não posso errar, não posso fracassar, não posso me envolver emocionalmente e por aí vai todo um código machista, que todo homem já cumpre desde antes de nascer.
Todos, homens e mulheres, só temos a ganhar com o feminismo no sentido de humanizarmos esse mundo, tornarmos ele um lugar de solidariedade, partilha, companheirismo, compreensão, igualdade de direitos e possibilidades. Se a vida tem um lado que é fardo e sobrecarga, não seria melhor carregarmos juntos?
[1] http://classificados.folha.uol.com.br/empregos/1179652-em-novo-livro-autora-israelense-decreta-fim-dos-homens-e-avanco-das-mulheres.shtml
[2] https://mst.org.br/2020/03/12/o-papel-do-homem-na-luta-feminista/
[3] https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/03/o-feminismo-e-a-luta-das-mulheres-tambem-libertam-os-homens-diz-ana-prestes/