0 7 min 3 anos

Por Monique Rodrigues e Giselle Florentino

A resistência pautada na trajetória de mulheres negras na Baixada Fluminense, rememora a fundação desses territórios, pela organização social do Quilombos, que durante boa parte do regime escravagista no Brasil, existiu como enfrentamento à violência e ressignificação das vivências africanas no “Novo Mundo”. Fruto do epistemicídio devido ao racismo estrutural fundante da sociedade brasileira, o legado do nosso povo não é contado nos livros de história, que intensifica ainda mais a invisibilidade e o desconhecimento do legado de resistência e protagonismo do nosso povo na história do país.

Segundo registros históricos, sobretudo dos jornais¹ que circulavam nos tempos da escravidão negro africana, as terras da então denominada recôncavo da Guanabara, atual Baixada Fluminense, era povoada por Quilombos e Mocambos desde 1800, que exerciam um papel fundamental na história da resistência coletiva, organizando diferentes frentes de produção e escoamento de itens de consumo e matérias primas. Os quilombos eram espaços independentes de geração de subsistência. Os principais estavam situados “às margens dos rios Iguaçu e Sarapuí, próximo das freguesias de Nossa Senhora do Pilar e Santo Antônio da Jacutinga” – atualmente conhecidos como Duque de Caxias e Nova Iguaçu.

O Estado brasileiro do século XIX, que por meio de legislações assegurava a violência da escravidão como modus operandi, aliado à imprensa local que servia como instrumento de mobilização de uma elite latifundiária, promoveu diversas caçadas aos Quilombos da guanabara, com o intuito de destruir essa sociedade, tendo fracassado durante quase 100 anos² de investida da então Guarda Nacional, atual Polícia Militar. 

Muitas destas comunidades quilombolas eram comandadas por mulheres negras, que à frente de complexos sistemas, mantiveram a luta pela liberdade como uma das mais fortes certezas das suas existências. O complexo de quilombos levava o nome de Hidra Igoassú³, Na mitologia grega, a “Hidra de Lerna” era um monstro que habitava um pântano junto ao Lago de Lerna. Era um monstro com corpo de dragão e três cabeças de serpente, mas quando uma dessas cabeças era cortada, nasciam mais duas no lugar. Além disso, o hálito da Hidra era venenoso. Apenas de cheirar os seus rastros, os homens morriam em terrível tormento. O complexo de quilombos ficou conhecido como a “Hidra de Iguaçu”, a Hidra uma analogia ao monstro quase indestrutível da mitologia grega, Iguaçu em função do rio que ainda corta o território do município de Duque de Caxias. 

Fotos: Instituto Moreira Salles

As áreas comandadas pela Hidra de Iguassu fundaram a região da baixada fluminense, que desde sua origem é um território marcado pela resistência e por lutas contra as violações do Estado, durante seus quase 100 anos de existência a Hidra foi configurada como o principal problema de segurança pública para o governo brasileiro devido a dificuldade de captura e subjugação deste aquilombamento. Por isso, torna-se muito importante recontar a história da resistência por meio dos quilombos, sobretudo a resistência das mulheres negras que defendem cotidianamente a vida dentro dos seus territórios periféricos. Ressalta-se que a fundação do território da Baixada Fluminense foi protagonizada pela intensa luta de resistência dos quilombos que cotidianamente enfrentaram o braço armado do Estado e conquistaram sucessivas vitórias. 

A história da resistência negra nos possibilita pensar maneiras de reorganizar o enfrentamento à violência de Estado promovida nesses territórios na atualidade, já que a luta contra as violações do Estado sempre foram centrais para a sobrevivência do povo negro. 

Segundo pesquisas, feitas pelos movimentos sociais, as mulheres negras são as principais defensoras dos direitos humanos nesses territórios, e maior parcela populacional na baixada fluminense, sendo assim, elas perpetuam um legado ancestral no front dos combates. No dia – a – dia vemos nos pontos de ônibus, nas lojas do comércio, no movimento das ambulantes, nas escolas, dentre outros cenários coletivos, um número relevante de mulheres negras trabalhando e protagonizando a vida urbana. 

Quantas dessas mulheres conhecem a memória das lutas de outras mulheres que vieram abrindo caminhos para que eles estivessem ali? No amplo debate das desigualdades sociais, como estão as mulheres negras na baixada fluminense e que estão invisibilizadas pelas estruturas racistas. As lutas protagonizadas pelas Redes de Mães e Familiares de Vítimas da Violência do Estado são importantes exemplos de movimentos sociais liderados por mulheres negras que fazem o enfrentamento ao racismo institucional e denunciam as distintas faces da violência do Estado e seguem construindo a justiça racial para além dos limites das instituições governamentais.

Analisar a história por meio das experiências vividas por mulheres negras redimensiona o debate e a percepção sobre o protagonismo das mulheres negras na ação cotidiana. Todas as formas de violências objetivas e simbólicas, que estamos sujeitas, estão estruturalmente organizadas porém no curso da história as insurreições aconteceram sempre para mostrar que temos sim a capacidade de organização e principalmente para além das estruturas do Estado. 


¹Destaca-se os periódicos Jornal do Commércio, Gazeta de Notícias e Diário Fluminense, como os jornais de maior circulação das notícias cotidianas, que fazem referência à função da Guarda de Polícia da Corte, na figura do Intendente, como responsável pela vigilância, prisão dos escravizados e extermínio dos Quilombos.

³Segundo a pesquisa do livro “Histórias de Quilombola: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro, século XIX” essas diligências foram realizadas nos anos 1812, 1816,1825,1826, 1828,1830, 1837, 1859, 1860, 1862, 1868, 1869 e 1876, sendo fracassadas todas em todas essas tentativas.

 ³Grafia específica da época, atualmente Iguaçu.

Deixe uma resposta