
Por IDMJRacial
É inegável que o Brasil é historicamente forjado por inúmeras violações, que são atualizadas a cada tempo histórico. Porém, é sempre importante ressaltar que as instituições do Estado são organizadoras de metodologias para que essas violações aconteçam de forma naturalizada.
Não é possível falar sobre letalidade policial sem antes discutir os processos de violência de Estado, onde o próprio Estado, é o principal realizador e violador de direitos sociais e humanos. Nos contrapomos ao mito socialmente construído sobre o papel do Estado representar a defesa dos interesses comuns de toda população, nesse tipo de construção ideológica é retirado o caráter classista da formação da sociedade no modo de produção capitalista. Por conseguinte, leva a equívocos como a possibilidade de consenso entre classes distintas que possuem interesses radicalmente antagônicos.
As diferentes faces de violência do Estado perpassa toda a formação social e econômica brasileira desde o tempo de colonização até o atual período dito democrático. Seja pelo aprisionamento e a retirada forçosa de corpos de seus territórios, ou através da exploração de matérias-primas para garantir o processo de acumulação do capitalismo mundial ou até mesmo pelos processos de financeirização e liberalização econômica e financeira.
O judiciário brasileiro e toda sua seletividade brasileiro impede que determinadas violações sejam apuradas, onde o testemunho policial em detrimento de todas as outras provas, assim como a dificuldade no acesso ao aparelho jurisdicional e a demora procedimental, cerceiam os direitos de inúmeras vítimas dessa violência institucional, em especial as mães e familiares vítimas da violência do Estado, com isso na Baixada Fluminense, como no restante do Brasil o que vemos como resultados são: violações estatais absolutamente impunes, mães e familiares desamparadas, que ficam sob julgo de um Estado punitivista que seleciona as vidas dignas de serem vividas e as vidas que podem ser matáveis.
Portanto, o Estado é uma máquina de violações, é um instrumento da classe burguesa. Lukács (2012) afirma que não se luta apenas contra o Estado, mas também é o mais importante instrumento de manutenção do poder da classe dominante, a burguesia. Precisamos entender que o Estado Moderno é uma máquina de violações marcada pela luta de classes, pelas incessantes disputas internas de distintas frações de classe que tentam dar o tom do andamento da máquina pública.
Neste caso, ressaltamos que o dito “público” não representa o todo da sociedade. E sim, as parcelas que possuem poder político para garantir a incidência dentro da estrutura, de parcelas que realmente impactam politicamente nas diretrizes do governo. O Estado não é uma instituição deliberativa que paira pela sociedade, destituído de quaisquer interesses ou motivações. O Estado se forja e se consolida para garantia e proteção do direito inviolável da propriedade privada, nunca foi para garantia de bens sociais e defesa dos interesses da sociedade. Em que Engels (1884) consolida a tese de que a principal política pública do Estado Liberal é “a preservação da propriedade”.
Poulantzas (1978) mostra que o Estado é uma forma de moderar a luta entre as classes antagônicas, garantindo a conservação da própria dominação de uma classe sob a outra. Observando o Estado dessa forma, fica evidente que não podemos conceber as políticas públicas, simplesmente, como formas de corrigir os “deslizes” do capitalismo ou acreditar que a implementação de políticas sociais universalizantes podem transformar a estrutura deste modo de produção de vida menos assassino e desigual.
Dito isto, e entendendo o Estado como uma máquina de violência de classe, a origem da Polícia se dá para garantir a coerção e o controle do povo. Não podemos dissociar a origem das instituições policiais da herança autoritária e escravocrata para garantir a acumulação de capital nas metrópoles do sistema capitalista.Ressaltamos que a função social da polícia é ser o braço armado e repressivo do Estado, atuando para a manutenção da ordem burguesa e a proteção do caráter inviolável da propriedade privada. A invenção de guerras e a construção de inimigos é um força motriz de produção e reprodução do capital.
Portanto, não é possível reformar a polícia e nem conceber o modelo de polícia cidadã. Afinal, não se trata de busca pela maior parcela de apreensão de drogas e armas e o tal combate a criminalidade, trata-se de genocídio do povo negro. Trata-se de racismo. Trata-se de como a polícia possui uma função social de repressão, de coerção, de controle de massas.
Logo, o debate de abolição das polícias e das prisões não é uma utopia ou algo distante. Não podemos perder de vista que já existem experiências autônomas revolucionárias em desenvolvimento neste sentido – experiências alternativas e para além dos limites do Estado burguês, como o Levantamiento de mulheres de Cherán, a resistência curda, as comunidades zapatistas, mapuches e a curta experiência da zona autônoma de Capitol Hill. Além de nossos quilombos e aldeias que seguem existindo mesmo sob enorme ataque do Estado e seus interesses lucrativos.
Ademais, as ações de garantia da memória e reparação que estão ocorrendo ao redor do mundo com a derrubada de monumentos que representam a história dos colonizadores começa a acontecer. E com essa derrocada simbólica, abrem-se caminhos para que possamos recontar a nossa história, isto é, contada por nós, das favelas, periferias, aldeias, quilombos, povo negro e mães e familiares vítimas da violência do Estado.
Sabemos que todas as polícias e prisões não irão acabar amanhã, por isso pensar em processos de medidas que diminuam o genocídio em escala, a estrutura e o poder das instituições são fundamentais. E muitas ações que já estamos produzindo apontam para a abolição das polícias, como o desfinanciamento das polícias, a não militarização do espaço escolar e das políticas sociais, a produção da memória das violações e das resistências, dentre outras. O que precisamos é consolidar essas estratégias em um projeto político articulado que caminhe no horizonte de emancipação social.
A história da resistência negra possibilita pensar maneiras de reorganizar o enfrentamento à violência de Estado promovida nesses territórios na atualidade, já que a luta contra as violações do Estado sempre foram centrais para a sobrevivência do povo negro.