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Por Ane Rocha

Eusébio de Queirós Coutinho Mattoso Câmara, que batizou a chamada Lei Eusébio de Queiróz, de setembro de 1850, lei que tinha como finalidade pôr fim ao tráfico negreiro no Brasil, Euzébio um homem branco nascido em Angola, cursou Direito e com cerca de 20 anos assumiu o cargo de Chefe de polícia da Corte, função que atuava em consonância com o Ministério da Justiça, para ajudar na elaboração de políticas de controle social. Segundo Thomas Holloway, o chefe de Polícia “foi um administrador ativo e enérgico”, transformando a instituição em um órgão “orientado por princípios hierárquicos, centralizadores e autoritários”, importante ressaltar que Eusébio de Queiroz era uma figura polêmica e problemática ,no seu período de atuação como Chefe da Polícia ficou conhecido por  negligenciar a chegada dos navios negreiros .

No Brasil Dom Pedro I, movido pela crescente criminalidade e desumanidade das prisões, assina o Decreto de 23 de maio de 1821, que regulamenta a prisão preventiva. “(…)por este Decreto Ordeno, que desde a sua data em diante nenhuma pessoa livre no Brazil possa jamais ser presa sem ordem por escripto do Juiz, ou Magistrado Criminal do território, excepto somente o caso de flagrante delicto, em que qualquer do povo deve prender o delinquente.

No início da década de 1830, havia três prisões civis no Rio de Janeiro Aljube, Santa Bárbara e Calabouço, as autoridades buscavam segmentar os detentos pela condição jurídica (livres ou escravos), tipo de crime praticado , e sexo ,não havia controle dessa divisão ,já que os espaços eram limitados, havia grande quantidade de presos e os espaços destinados a encarceramento eram limitados ainda nessa época .

Com a não implementação da Lei Feijó de 7 de novembro de 1831, mais conhecida como “Lei para inglês ver “– Declara livres todos os escravizados vindos de fora do Império, e impondo penas aos importadores dos mesmos escravizados, a negativa de fiscalização das autoridades terminou acobertando centenas de desembarques clandestinos de africanos , pessoas que eram apreendidas nas embarcações, africanos livres, que deveriam ser imediatamente libertos ,eram encarcerados. A lei para inglês ver causou inquietação e criação de subterfúgios por parte dos escravagistas para burlar o controle no comercio de escravizados, com isso a liberdade dos negros já alforriados foi impactada com mais precariedade.

O calabouço era a prisão destinada a escravizados, ficava localizada no Morro do Castelo, era lá que ficavam detidos, os negros com suspeita de fuga, à mando dos seus senhores ,praticantes da capoeira (que nessa época era criminalizada) e considerados infratores ,nessa unidade havia um regime especifico de tortura e açoites .

Eusébio montou uma estrutura eficiente repressora, ele administrou a prisão do Aljube, até a Casa de correção ser inaugurada, negros livres, foram encarcerados pela Polícia, permanecendo na prisão anos a fios e até mesmo morrendo por não ter como comprovar sua liberdade. Eusébio em desespero e visando o controle social, passou a enviar os africanos livres para o Calabouço, maquiada de uma postura combativa ao tráfico e comércio de escravizados, Eusébio escondia que estava perdendo o controle da situação,a restrição do direito dos africanos livres à emancipação definitiva esteve atrelada à percepção de que, uma vez emancipados, representam ameaça à ordem social. 

A partir de 1834, Eusébio já sem o controle da situação, preocupado com a livre circulação de africanos e, com a possibilidade de que a liberdade poderia incentivar revoltas, ordenou que todo africano contrabandiado apreendido no Rio de janeiro deveria ser levado a Casa de Correção da Corte, que ainda estava em fase de construção. Nos registros de 1835, o Ministro da justiça ,que a essa altura, já havia entendido que Eusébio nada estava fazendo para investigar a condição dos negros que eram apreendidos, Limpo de Abreu queria saber como identificar um escravizado fugitivo ,quando questionado ,Eusébio dizia ser mais fácil presumir a escravidão ,já que não havia modo mais fácil de obter provas de liberdade ,e que eram privados de liberdade no Calabouço ,todo aquele que que fosse presumido fugido ,ainda que se declarassem livres, após a investigação o Ministro exigia que fosse feito uma publicação com a descrição do escravizado para que o senhor conseguisse identificar ,sem que fosse necessário que ele ficasse tanto tempo no calabouço inutilmente ,Eusébio prometeu cumprir as ordens ,o que não aconteceu, o tráfico interno crescia e os navios não paravam de chegar .

Em junho de 1837, propôs ao parlamento imperial a revogação da lei de proibição do tráfico africano de 7 de novembro de 1831. Os efeitos da revogação seriam retroativos, de modo a garantir a impunidade dos proprietários que haviam adquirido africanos introduzidos no país por contrabando.Segundo os dados disponíveis, dos 265.909 africanos desembarcados nas províncias do Centro-Sul do país de 1831 a 1840, 262.171 mil, em torno de 98%, provinham das regiões Centro -Ocidental e Sudeste do continente africano.

Como o sustento dos escravizados na prisão era de obrigação dos senhores, era comum o abandono o que acabou gerando custos para o Estado, os africanos livres, se tornaram trabalhadores compulsórios, alguns eram encaminhados para obras públicas e sua rotina não tinha nada de diferente dos escravizados, trabalho exaustivo, maus-tratos, e alimentação precária. A médio prazo Eusébio precisava deixar de ter novos africanos livres a quais lidar ,em contrapartida tinha que lidar com a segurança pública diante de possíveis rebeliões urbanas que já haviam acontecido na Bahia, com o passar do tempo ,percebe-se que a Polícia da Corte passa a perseguir os pretos-minas, que moravam na cidade, desconfiando de possíveis vínculos com a revolta da Bahia e evitando a todo custo desembarque de libertos vindos de lá .

À medida que o comércio ilegal se fortalecia, as apreensões também aumentaram, embora tenham sido em quantidade menor, em relação ao volume de contrabando, o resultado foi doenças contagiosas entre os africanos amontoados em condições insalubres, enfermarias superlotadas, e  orçamentos insuficientes para comprar suprimentos essenciais.

Em 1850 ,chega o momento de Eusébio tomar uma atitude ,afinal o cenário já era mais do que caótico, criando a Lei Eusébio de Queiroz, que embora muito parecida com a Lei de 1831  declara a abolição do tráfico negreiro no Brasil, a nova lei, retirou da justiça comum, o julgamento em primeira instância .

O mito da abolição existe, e nos assombra todos os dias ,o Estado sempre legitimou o encarceramento e genocídio do povo negro. Eusébio de Queiróz ficou chefe de polícia por mais uma década ,depois foi Ministro da Justiça de 1848 a 1852, negligenciou a lei ,prevaricou, perseguiu os capoeiras, e criou fama de bom moço ,nas décadas seguintes, a Polícia da Corte passou a agir de modo que todo preto era escravo até prova contrária, comportamento hoje adaptado pela polícia, mas contínuo, e violento tanto quanto aquela época.

Em 1845, registraram-se 20.954 entradas, índice baixo diante do que ocorreu nos anos subsequentes: 52.395 mil africanos ilegalmente escravizados em 1846, 61.731 mil  em 1847, 61.757 em 1848,diminuindo para 57.504 em 1849.

Referências: 

 A Polícia da Corte. Apud . KARASCH, Mary C

A vida dos escravos no Rio de Janeiro. 1808 – 1850. São Paulo: Cia das Letras,

2000 -ARAÚJO, Carlos Eduardo Moreira de

Cárceres imperiais: a Casa de Correção do Rio de Janeiro. Seus detentos e o sistema prisional no Império, 1830-1861 / ARAÚJO,Carlos Eduardo Moreira de . – Campinas, SP : [s. n.], 2009


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