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Por Monique Rodrigues

Sim! Nossos Passos Vêm de Longe

“Eu estou me sentindo abençoada, Oxalá foi tão bom pra mim que ele me enviou outros filhos que me amparam e que a gente vai pra luta. São 23 anos de perda, mas esse é um presente.” D. Leonor

A história da Baixada Fluminense é narrada por mulheres negras, mães, irmãs, vizinhas, tias, avós, trabalhadoras, chefes de família, professoras, artistas, feirantes, enfim, as mais diversas personalidades que formam um corpo histórico de enfrentamento às violações do Estado.  Porém, o que conhecemos sobre essas mulheres? Como elas estão representadas dentro dos territórios de atuação? Quantas têm suas lutas reconhecidas?

Partindo dessas reflexões a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial produziu, junto com os artistas baixadenses Rodrigo Mais Alto e Kleber Black, o memorial “Nossos Passos Vêm de Longe”, lançado no último sábado dia 19.06, no município de Duque de Caxias.

Rose Cipriano, Mãe Beata de Yemanjá, Silvia Mendonça, Ana Leone, Maria Conga, Dona Leonor, Nivia Raposo, Fátima Monteiro e Marielle Franco são as imagens ilustradas no mural que fica na Avenida Leonel de Moura Brizola, representando a trajetória atemporal das lutas que as mulheres negras escrevem com seus corpos, inteligência e cuidados, no enfrentamento ao genocídio, ao apagamento cultural e pela garantia de serviços básicos para as populações na baixada.

“Eu nasci e vivo em Duque de Caxias, esse bairro aqui, o Centenário tem um poder cultural muito grande, aqui foram fundadas as duas principais escolas de samba da década de 30,  Unidos do Centenário e Cartolinhas, além disso 38% das mulheres aqui, são negras e chefes de família. Então a responsabilidade de estar em um painel na minha cidade é trazer mulheres negras pra luta.” Silvia Mendonça

O valor da memória não é medido de maneira objetiva, ele se perpetua na identidade de um povo, sendo capaz de promover grandes revoluções, sobretudo quando essas memórias motivam as classes trabalhadoras nos levantes coletivos pelos direitos sociais.

A inauguração do memorial que mostra o rosto de mulheres negras trouxe à tona uma fala fundamental e coletiva: Precisamos de referências positivas sobre o cotidiano da Baixada Fluminense para que as pessoas se sintam pertencentes a esse lugar.

A arte do grafite, que também educa pela estética, mostra o quanto a Baixada Fluminense é um terreno fértil para a produção de imagens que proporcionam outros olhares sobre as narrativas de enfrentamento. Como disse Kleber : “teve pessoas aqui que eu não conheci, que já partiram, mas eu sinto que retratá-las, de alguma forma eu faço com que elas se perpetuem.” Já para o Maisalto: “Ainda mais aqui na nossa cidade, em Duque de Caxias, é sempre bom registrar e poder reviver as lutas através do grafite e da arte.” 

“A emoção de ser homenageada em vida é o que mais me toca, e como eu sou professora, fico pensando nas referências positivas, quando a gente é criança e não tem a referência dessas mulheres.” Rose Cipriano

A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial traz na sua atuação pautas e ações que são sempre produzidas a partir de uma dor, da perda, de uma ausência que não pode ser preenchida, uma vez que a violência estruturada do Estado é muito definitiva na sua eficaz produção de morte, porém a realização dessa atividade foi também uma tentativa de reunir essas mulheres para um evento que pudesse promover novas esperanças e motivar o árduo caminho da luta cotidiana. O memorial Nossos Passos Vêm de Longe marca o tempo e a memória de resistência e afeto, algo que é urgente ser resgatado dia a dia para a manutenção do sentido coletivo. 

“Eu me sinto lisonjeada porque Caxias não faz homenagem para mulheres pretas, cada uma dessas mulheres tem uma história de luta na saúde, na educação, no campo sindical, então é importante para o nosso povo olhar e vê a luta sendo reconhecida.“ Fátima Monteiro

“Eu estou muito feliz e surpresa, essa é uma homenagem que precisa ser feita, ainda mais nesse momento. Eu tô do lado dessas mulheres incríveis e esse momento é muito importante mesmo.” Ana Leone.

A nossa mobilizadora de território e homenageada no mural, Nivia Raposo, falou uma coisa muito bonita e importante que escolho como fala para terminar esse texto:

“Eu fiz questão de ficar do ladinho de Maria Conga, porque eu preciso, nós precisamos de todos os cuidados dela.” Nivia Raposo

Um dos resultados mais positivos após o lançamento do Memorial, mesmo com 2 dias apenas é o dialogo que ele proporcionou com moradores/as daquele território, que começaram a marcar a IDMJR em suas fotos de redes sociais. E os moto taxistas com um cuidado evidente, colocaram uma iluminação para a noite as pessoas verem com maior qualidade as imagens.

Sim, nossos passos vêm de longe, nossa luta é coletiva e nossas memórias inspiram, constroem identidade na Baixada Fluminense e seguiremos até que sejamos todas livres.


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