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Por Agnes Moraes


Ao chegar o mês de março, com frequência, discute-se a respeito da origem do Dia Internacional da Mulher e sua relevância na conquista dos direitos das mulheres. O 8 de março deve ser refletido em memória de um extenso processo histórico de luta e organização de mulheres que enfrentaram as opressões patriarcais do Estado ao redor do mundo. A luta das mulheres ao longo dos anos foi e é fundamental para avançarmos na construção de uma sociedade para além dos marcos do capitalismo e do patriarcado.

Contudo, apesar dos inegáveis avanços da luta pelos direitos das mulheres, ainda vivemos em um Estado capitalista, que essencialmente, necessita do machismo e outras formas de opressão para existir. Nos últimos anos, os indicadores sociais das condições de vida das mulheres brasileiras fornecidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE apontam desigualdades expressivas entre homens e mulheres, sobretudo mulheres negras. Os dados evidenciam que a grande parcela das mulheres estão fora do trabalho formal e são as responsáveis pelas tarefas de reprodução social da vida, como o  cuidado familiar e/ou as tarefas domésticas. 

Ademais, os casos de violência contra mulher aumentam a cada ano e as políticas públicas se demonstram ineficientes e um caráter cada vez mais policialesco e encarcerador. Ainda que alarmantes, esses números representam apenas um recorte da realidade, visto que sistematicamente inúmeros casos de violência contra mulheres são subnotificados, uma vez que muitas mulheres têm medo de denunciar, especialmente em territórios sob o domínio de milícias e do varejo de drogas, devido a represálias e ameaças do poder local. 

Diversas mulheres relatam que não denunciam seus agressores pelo medo de passar pelo processo de revitimização quando procuram a polícia,  já que as delegacias de polícia reproduzem lógicas patriarcais de responsabilização desta mulher baseada em lógicas misóginas e machistas. Não podemos esquecer que apenas a privação de liberdade de agressores – que em muitos casos são homens negros, não é nem de longe um caminho para resolutividade do problema da violência de gênero. 

Diante desse cenário de sistemática violação dos direitos das mulheres somado à ineficácia e a militarização das políticas públicas de segurança, as mulheres continuam a se organizar e construir estratégias de segurança fora do marco institucional do Estado e das polícias. Nas favelas e em bairros periféricos, as mulheres negras são protagonistas no enfrentamento à violência de gênero e de Estado. Isso porque, além de sofrerem com a dupla opressão pela sua condição de mulher preta favelada, também precisam proteger seus filhos e companheiros das violências policiais recorrentes nesses territórios.

Por não ser possível contar com o Estado, elas próprias são a principal (ou única) possibilidade de saída da situação de violência. Essas mulheres criam suas próprias redes de proteção, através da organização de coletivos comunitários de mulheres que levantam a discussão sobre a violência de gênero para que reconheçam a sua condição no mundo e realizam ações concretas de proteção e enfrentamento à essas violências, como a criação de protocolos de comunicação e acolhimento entre o coletivo e/ou até mesmo o enfrentamento direto aos seus agressores.

Nessa mesma perspectiva de organização popular de mulheres, no centro do Rio, o Movimento de Mulheres Olga Benario ocupou um prédio que estava há quase uma década abandonado pelo Estado para denunciar a ineficácia das políticas públicas de enfrentamento à violência mulher e, ao mesmo tempo, denunciar a existência de múltiplos imóveis públicos vazios na região Central do Rio.

Em homenagem à data que carrega um simbolismo histórico, a Ocupação Casa Almerinda Gama nasceu no dia 8 de março de 2022, na Rua da Carioca, n° 37, no Centro do Rio. Esse ano a Casa comemora 2 anos de resistência. A ocupação é fruto de muita luta e trabalho do Movimento de Mulheres Olga Benario, o qual organiza mulheres para lutar contra a opressão patriarcal-capitalista e construir uma sociedade socialista. A Casa Almerinda Gama é um espaço popular que visa combater as violências estruturais através da proteção, formação política, acolhimento, abrigamento e defesa de mulheres vulneráveis em situação de violência, incluindo seus filhos e filhas. O funcionamento da Casa é totalmente autogestionado pelas militantes e conta com a ajuda de profissionais voluntárias, como advogadas, psicólogas e arquitetas que auxiliam nos atendimentos às acolhidas e as demandas da Casa. Ademais, a sobrevivência financeira e estrutural do prédio é mantida através de doações de apoiadores e mutirões, uma vez que não há nenhum incentivo do Estado.

Pelo contrário, desde 2022, o governo do Estado move um processo judicial de reintegração de posse com pedido de despejo imediato das ocupantes da Casa. O Estado alega que o imóvel ocupado possui um valor histórico inestimável para a sociedade e por isso, não pode ser ocupado. Porém, o prédio estava há quase uma década abandonado sem cumprir função social. Ao mesmo passo, a Prefeitura lançou o programa “Reviver Rua da Carioca”, nos moldes do “Reviver Centro”. O programa tem como objetivo transformar a Rua da Carioca na rua da cerveja artesanal, oferecendo incentivo financeiro para empresários do ramo e donos de imóveis. Dentre os imóveis ditos “ociosos” selecionados para o programa, consta o endereço da Casa.

Essas movimentações não são mera coincidência, mas sim representam uma das manifestações de um projeto político de extermínio dos direitos da população mais vulnerável em curso. Na verdade, demonstram as verdadeiras intenções do Estado: o fortalecimento dos interesses da burguesia em detrimento dos direitos das mulheres e da classe trabalhadora no geral, seguindo a lógica do lucro acima da vida.

Nesse sentido, um modelo de Estado que prefere desabrigar pessoas em situação de vulnerabilidade, destituindo um espaço de fornecimento de serviço público de combate à violência contra mulher – que deveria ser sua função – para dar lugar a uma cervejaria artesanal, demonstra que a emancipação das mulheres e da classe trabalhadora só será possível com a superação deste modelo. 

Portanto, a luta das mulheres, sobretudo mulheres negras, se revela historicamente como um instrumento fundamental de destruição do capitalismo e, consequentemente, da emancipação da classe trabalhadora. Deste modo, é nosso dever enquanto sociedade que almeja a transformação social fortalecer os espaços e reivindicações de organizações de mulheres.


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