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por IDMJRACIAL

A partir do projeto De Olho na Alerj, de monitoramento das proposições legislativas sobre segurança pública na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, criamos uma interface de análise com as ações e proposições do poder executivo sobre  o mesmo tema. No dia 18 de agosto de 2023, a partir desse monitoramento do Diário Oficial do Poder Executivo, nos deparamos com o decreto nº 48.646 do governador Cláudio Castro que institui a nova regulamentação da concessão de recompensa financeira instituída pela Lei nº 4.365 de 20 de junho de 2004, que a partir de agora vai pagar R$ 5 mil de prêmio a policiais civis e militares por cada fuzil apreendido em operações.

A reflexão que a IDMJRACIAL quer propor aqui é: Esse Decreto de Apreensão de Fuzil, não seria um novo ilegalismo?

Antes de responder a essa indagação, compartilhamos uma breve contextualização do que os escritos de Foucault apresentam sobre a questão.

Um ilegalismo não é uma ilegalidade, não é um acidente, não é somente um ato praticado em desconformidade com a lei. Para Foucault, o ilegalismo é um elemento absolutamente positivo do funcionamento social, cujo papel está previsto na estratégia geral da sociedade: “Gostaria de dizer que, ao limite, a lei não é feita para impedir tal ou tal tipo de comportamento, mas para diferenciar as maneiras de circular a própria lei.”1 

Para Foucault, o ilegalismo é a Legalidade a partir da Lei, ou seja, ele questiona o fato de a lei não ser, sob a aparência de uma regra geral, uma maneira de fazer aparecer certos ilegalismos, diferenciá-los uns dos outros, que vai assegurar sua tolerância em determinado momento, e em outro autorizar sua intolerância. 

A IDMJRACIAL afirma, a partir deste preâmbulo, que este decreto é um novo ilegalismo, pois a partir da legalidade, da Lei, o Estado produzirá e manterá várias ilegalidades.

Uma das Ilegalidades que vai se é ampliar o comércio ilegal de fuzis, pois sabemos que o Estado é o própria produção da corrupção. Esse Decreto vai ampliar as disputas de territórios a partir das negociações produzidas por policiais e milicianos e o varejo de drogas a partir das apreensões. Um fuzil custa em média de 10 a 15 mil reais, e a partir do decreto este valor irá aumentar.

“Sabemos que nas operações policiais , os policiais pegam armas e drogas e quase imediatamente vendem para outra facção. ”

(Moradora de uma favela do RJ no Encontro Popular de Segurança Pública do Estado do RJ realizado no dia 19/08/2023)

Para nós da IDMJRACIAL esta recompensa é a repetição e a decisão de continuar uma política de morte como acontecida no ano de 1995, com a chamada Gratificação Faroeste que premiava em dinheiro policiais por ato de bravura; bem como uma continuidade praticada pelo ex governador Wilson Witzel, que a partir de um decreto, em setembro de 2019, retirou do plano de metas das polícias civil e militar a redução da letalidade em operações policiais, além de gratificar, nos mesmos moldes do decreto de Castro (a cada seis meses, concessão de bonificação) para policiais que produzissem mais mortes em operações). 

Ademais, em 2019, o Rio de Janeiro passava por um período onde se alcançaram recordes de letalidade por operações policiais, quando entre janeiro e agosto de 2019 o ISP registrou 1.249 pessoas assassinadas pelas polícias fluminenses, sem contar com os índices de subnotificações e desaparecimentos forçados a partir de operações deflagradas pelas forças policiais. O que reforça nossa afirmação de que o ilegalismo é um elemento social que define o funcionamento da própria lei.

Sabemos que o Estado do RJ tem uma Lei, a nº 8.186 de 30 de novembro de 2018 que nunca foi implementada pelo executivo que trata da Política Estadual de Controle das Armas de fogo, suas peças e componentes, e de munições, que talvez pudesse ser um dispositivo que dialogaria mais com as determinações da ADPF 635.

O cinismo do governador Cláudio Castro foi tanto com o decreto, pois o mesmo diz que isto é uma resposta concreta à sentença da Corte Interamericana dos Direitos Humanos para o Caso Nova Brasília (ponto resolutivo 17), e às determinações oriundas da ADPF 635 do Supremo Tribunal Federal/STF. 

O que se pode concluir, diante disso, é que o Decreto nº 48.646 do governador Cláudio Castro, assim como a alteração impetrada pelo ex governador Wilson Witzel, é nada mais que a promoção da continuidade de acumulação do capital e a produção de morte e encarceramento do povo negro e periférico como política central do Estado do RJ.


 1 FOUCAULT, M. Des supplices aux cellules. IN: Dits et Écrits: I, op.cit. p. 1587.

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