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Por Nívia Raposo

Driblando as adversidades diante da pandemia que assolou o Brasil e o mundo, a Iniciativa Direito e Memória Justiça Racial fez a construção de uma campanha para comemorar o 30 de abril, o dia da baixada, embasando-se na luta contra violência do Estado feita por movimentos sociais, organizações e alguns pesquisadores e intelectuais.

O Estado utiliza a manipulação da memória social para gerar uma atmosfera de medo e terror nas construções de memórias, recorrendo a violência, censura e criações fictícias de notícias institucionalizando assim suas próprias memórias, explicado por Michael Pollack em seu artigo “Memória, Esquecimento, Silêncio” que essa construção de memória política é seletiva, deixando de fora algumas perspectivas. Pois, esses resquícios deixam uma dúvida razoável, sem contar, aa sistemáticas tentativa de apagamento da história, do conhecimento e da memória do povo negro.

Pensando numa narrativa contra hegemônica, a IDMJR propôs uma entrevista com sociólogo José Cláudio Souza Alves, também conhecido como Chicão,  para lembrar o Dia da Baixada e propiciar importantes reflexões sobre as opressões do Estado, sobretudo sobre as violações e a importância dos movimentos sociais nas lutas por seus direitos.

O professor comenta que já fazem “27 anos de militância”. Mas, a “trajetória na Baixada começou em Xerém, Duque de Caxias através da Pastoral Ecumênica da Terra, no ano de 1984 até 1988, onde existia uma luta para permanecer na terra dos lavradores contra os grileiros. Salienta que entender o domínio dos matadores e hoje milicianos passa por entender a disputa de terras, lotes travadas no pós ditadura. Em 1986, com o fim da ditadura militar começou a se aproximar do MUB (Movimento da União de bairros) e participava com outros movimentos, sindicatos e partidos políticos disputando fazer a luta contra o legado do Estado Ditatorial.

“As reflexões sobre as demandas da baixada, o afetaram quando percebeu como as pessoas reagiam a violência”. Chicão também menciona o papel nos anos 90 que a promotora pública Tânia Maria Salles Moreira desempenhou processando e colocando atrás das grades grandes matadores de Duque de Caxias. Destaca também o papel da Diocese de Nova Iguaçu entre os anos de 80 e 90 nessa luta contra a violência de Estado.

Hoje, o professor serve como referência e se entende como pioneiro nos estudos sobre violência na Baixada. Chicão também ressalta que suas abordagens com a temática sobre violências do Estado foi algo diferenciado e inicia sua entrevista explicando como “atuava em diversos espaços da baixada, numa época em que não havia interesse em pesquisar baixada fluminense, mesmo sentindo-se muito isolado na área de pesquisa. Dessa maneira, argumenta que “em 1998 parte de sua tese de doutorado serviu para fazer um conjunto de debates onde falava sobre violência do Estado, contabilizando mais de 200 palestras falando sobre o tema. Dialogava com grupos que faziam um debate sobre violência urbana, mas de uma maneira mais difusa sobre o assunto”. 

“Os especialistas em produzir danos as pessoas estão dentro do Estado. É importante combater a sociedade burguesa capitalista, pois essa estrutura precisa de um processo de modificação radical. Uma revolução com transformações sociais reais, precisaria que o Estado rompesse com a lógica capitalista”.

(José Cláudio Souza Alves)

Ele mantinha uma “estratégia de luta mais aprofundada, pois não perdia suas referências e tinha contato com o local e uma relação direta com a população. Salienta que enxerga estratégias de algumas Ongs, baseado numa contenção de danos, fazendo consertos em instituições para reduzir os homicídios da população. Porém, a necropolítica é implementada o tempo todo pelo Estado. Mas sua abordagem é mais profunda e mais radical”, pois vai na direção do embate para o confronto. Faz uma analogia referenciando a pandemia do coronavírus, afirmando que esse tipo de vírus não pode ser tratado com um remedinho, como a cloroquina.

Analisa que é necessário fazer um diagnóstico mais profundo explicando pontos fundamentais para entender sua estratégia de luta, sendo ela mais “intuitiva que ao dialogar com essas autoridades, percebe um discurso mais diluído e camuflados para jogar a culpa na população”. O docente explica uma “legalidade e a cumplicidade dos três poderes, usando todas as ferramentas institucionais contra a população favelada, periférica, pobres e negros. Menciona que suas dificuldades se davam com as faltas de parcerias que faziam a mesma abordagem de confronto. Hoje, ele não faria participações em palestras e debates com autoridades que não estabelecem qualquer possibilidade de diálogo”. Entretanto, esclarece a valorosa luta cotidiana de diversos movimentos e organizações, sendo vistas, como atitudes de resistências agindo consciente ou inconsciente no sentido de mostrar que a justiça social e racial, os direitos e a memória são de todos tornando essa luta um ato político.

Contudo, “é necessário não se repetir as tragédias de tentativas de diálogos com os exterminadores da população. Faz uma menção vislumbrando um projeto político de segurança pública que destruiria as legislações que fazem as políticas de morte em favelas e periferias. Afirma que os especialistas em produzir danos as pessoas estão dentro do Estado”. É importante combater “a sociedade burguesa capitalista, pois essa estrutura precisa de um processo de modificação radical. Uma revolução com transformações sociais reais, precisaria que o Estado rompesse com a lógica capitalista”.

“Falar sobre projeto de segurança pública é falar do econômico. O que são hoje as milícias se não um projeto político, social e econômico!”

(José Cláudio Souza Alves)

Segundo o pesquisador, “falar sobre projeto de segurança pública é falar do econômico”. O que são hoje as milícias se não um projeto político, social e econômico. O que teríamos que fazer são políticas públicas que protejam a população, oferecendo educação, ações socioculturais, atendimento psicológico, acompanhamento com assistência social, programa de empregos/rendas para se tornar independente, uma estrutura urbanizada e uma segurança com uma polícia educada e qualificada, para atuar nesse outro cenário. Porém, para isso, precisaria inverter as pautas orçamentárias.

E os 47% do orçamento da União que são utilizados por banqueiros, empreiteiros e donos de agronegócios seria revertido para projetos sociais e programas sociais de grande vulgo.” Por fim indagamos qual era sua estratégia quando ameaçado ou intimidado pela violência do Estado, o professor responde muito tranquilamente que “sempre conviveu com a estrutura da violência e nunca construiu uma estratégia específica. Nunca foi ameaçado diretamente, mesmo com tantas palestras e debates falando sobre essas práticas. “As medidas que tomava eram as normais de não ficar nas ruas até tarde”. Muito modesto comenta “ser  um professor que não leva prejuízos a esses grupos”.

Faz também uma reflexão que “sua projeção como pesquisador e debatedor também o levou a estabelecer relações com muitas pessoas íntegras ligada a grupos do Ministério Público, alguns delegados e promotores públicos, concluindo que talvez sua relação com essa estrutura de poder possa gerar uma proteção, porém não tem certeza.

Comenta que determinadas situações conversa com essas pessoas e analisa que no fundo convive e sempre conviveu com essa estrutura da violência.  


ALVES, José Cláudio Souza. Baixada Fluminense: a violência na construção do poder. Tese de Doutorado em sociologia. São Paulo: USP/FFLCH. 1998. 

POLLAK, Michael. Memória, esquecimento, silêncio. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 2, n. 3, p. 3-15, jun. 1989. ISSN 2178-1494. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/2278>. Acesso em: 20 Abr. 2020.

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