
Por Cristiano Silva
Historicamente muitas crises foram engendradas por endemias, epidemias e pandemias que são situações devastadoras e ceifaram milhões de pessoas, um verdadeiro caos! São períodos que forçaram transformações políticas, econômicas e culturais em toda a sociedade. Sabemos que a morte não respeita raça e classe, porém tornou-se um instrumento nas mãos dos opressores, triturando um público específico: pretos(as), indígenas e indesejáveis.
Atualmente estamos vivendo em um momento de várias interpretações quando o assunto é covid-19, conhecido como coronavírus, a nova ameaça vem afetando inúmeros setores do capital. E com isso, inevitavelmente as relações pessoais, de consumo e serviços sofreram consideráveis alterações. Diversos órgãos já decretaram estado de quarentena, reduzindo os atendimentos. Inclusive o sistema de justiça, defensorias, promotorias e magistraturas seguiram os protocolos determinados pelo governo do Estado do Rio de janeiro.

Vale destacar que, nosso sistema de justiça é extremamente moroso, processos rolam pelas prateleiras e quando são movimentados transitam entre idas e vindas sob olhares de embargos e descasos jurídicos. As audiências estão suspensas na central de custódia em Benfica esfacelando o direito de analisar a legalidade da prisão do custodiado, praticamente automatizaram o acautelamento temporário.
O sistema prisional fluminense segue infestado de bactérias, vírus e outras manifestações epidêmicas, a negligência e a sanção letal aplicada pelo princípio “fake” da isonomia estatal, reforçam as incidências das mortes nas unidades.
Cortes na visita, para proteger presos, funcionários e visitantes, veja bem, se com visitas as violações são constantes, imagine sem?! E quando em algum momento histórico o Estado pensou em proteger esse público? Surtos de sarampo, meningite, hepatite, tuberculose – a lista é extensa, ocorrem o tempo todo. A Secretaria de Administração Penitenciária do Estado do Rio de janeiro (SEAP/RJ), protela, invisibiliza, argumenta e naturaliza o descumprimento das normativas definidas pelos direitos humanos.
Com a chegada do vírus “made in china” as penitenciárias não suportarão mais rupturas forçadas, visitas são vitais para não implodir e explodir um sistema que já está totalmente degradado. Na visão do detento: “visita é a maior responsa”. Como a cabeça fica no confinamento, sabendo que não poderão resistir ao covid-19? Será que o Estado apresentará alguma medida de prevenção à vida dos(as) acautelado(as), ou aproveitarão o ensejo para efetivar o genocídio, chancelados pelos aparelhos de justiça?
Sem dúvidas, protocolos de contenção e ações preventivas devem ser observadas e respeitadas com seriedade, porém o Estado garantidor e violador de direitos sempre rechaçou à massa carcerária, nunca nenhum procedimento foi estabelecido em situações de iminente perigo, a única regra praticada é: “mantenha os cadeados fechados e aguarde as orientações”.

Recentemente, ocorreu um incêndio no Frederico Marques (Benfica – central de custódias), se não fosse a atuação rápida de movimentos sociais e instituições defensoras de direitos, seria trágico! No presídio Ary Franco, os detentos estão nos calabouços úmidos e diagnosticados com sarampo, a pena de morte está atrelada e embutida na decisão de togados, a SEAP/RJ é a sua principal máquina de tortura.
Enquanto escrevia este texto, recebi informações que várias cadeias viraram. Os presos rebelaram-se, “balangaram” – sacudir, bater, fazer barulho, à grade e houve fugas. Ninguém quer ficar de cobaia esperando pacificamente a morte chegar! A inércia da Vara de Execuções Penais do Estado do Rio de janeiro (VEP/RJ), contribuí para uma carnificina anunciada.
Progressões de regimes, habeas corpus, alvarás de soltura tudo sob tutela do coronavírus, como se não bastasse, mais um entrave jurídico para fundamentar os exacerbados argumentos punitivistas. Acelerar os processos à soltura de apenados estão fora de cogitação. Tudo sofre alterações, menos o cumprimento da pena, segue normal!
Na outra ponta, familiares terão que resistir não só ao vírus que ataca o corpo. Mas, todas as tensões que assolam o físico e o psíquico, vivendo com a grande possibilidade de receber notícias fatídicas e desoladoras. Infelizmente os números de morte dentro das unidades prisionais aumentarão descontroladamente.
O óbito sempre esteve conectado com as normas de segurança definidas pela administração penitenciária. Sobreviver a cada dia no sistema prisional é extremamente difícil, neste momento, é praticamente impossível.
Pense, os distanciamentos sociais para evitarem aglomerações são expressamente recomendados, e nas prisões? O que será dessa população? Não tem para onde correr! Acesso à saúde, nem pensar! A única Unidade de Pronto Atendimento (UPA) que funciona dentro dos anéis penitenciários é uma funerária. Mais uma resolução emitida pela SEAP/RJ reafirmou a impossibilidade de transportar detentos para hospitais e unidade de saúde extramuros.
O Estado usará o temido vírus como uma ferramenta de esvaziamento, medida esta que, terá uma enorme aceitação institucional (de alguns setores do governo), e social. Entre a liberdade e a morte, esta última será sempre a mais utilizada pelos gestores. Sair das unidades cantando, “oh lili!!!” é quase utópico.
*Do Navio Negreiro às prisões: resultado do racismo estrutural que funda o capitalismo dependente brasileiro.