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Fonte: Arquivo EBC

Por Cristiano Silva

Discorrer sobre assuntos que trazem dor não é nada fácil, as reações causadas pelos traumas das intensas experiências vividas tensionam o cotidiano. Gestos, palavras, paisagens e entre outros conduzem à certas lembranças e resgatam emoções passadas que podem ser boas ou ruins. Tenho muitas lembranças entusiasmantes, contudo, no ano de 2010 pude ter a experiência de uma horrível situação: “a prisão”, ao ser acusado por envolvimento em um crime de ordem econômica contra instituições financeiras. 

Poderia escrever cada detalhe do exato momento de quando e como fui preso, são muitas memórias, que nunca mais serão apagadas. Porém, retratarei algumas e como sobrevivi nos calabouços por onde passei.

Quando fui preso ainda vigorava as cadeias geridas pela extinta Polinter, além de moer gente era uma verdadeira máquina lucrativa. Celas abarrotadas eram sinônimo de lucro, tudo era taxado, visita familiar, visita íntima, utensílios de higiene pessoal, enfim, tudo era negociável.  

O meu primeiro contato foi na Polinter do Grajaú, aterrorizante, um espaço milimétrico sem ventilação, fétido, entupido de corpos na iminência de serem infectados e contaminados por bactérias, fungos, parasitas, vírus e, pela pior das dilacerações humanas, a desesperança, muitos já estavam fragilizados. Vale destacar, nesses espaços os corpos pretos são a maioria. Sobreviver à falta de saúde, aos maus tratos, ao abandono e a todas às possibilidades de óbito é quase impossível. 

Havia corpos aéreos envoltos por lençóis amarrados à grade, devido à ausência de espaço, um tapete humano cobria o chão daquele inferno. Andar na cela era inconcebível, só em extrema necessidade, no caso, ir até o boi (banheiro dentro da cela), desenrolar um papo de responsa, visita, transferência, advogado ou na hora do confere, na pior das hipóteses carregado. Outro fator que assola é a temperatura, no verão subia tanto, uns 50°graus ou mais, desidratávamos rapidamente, tudo na prisão pode se tornar uma ferramenta de suplício. 

Após permanecer alguns dias naquele moedor de carne, transferiram-me à Polinter de Neves, esse lugar tinha fama de ser pior do que o inferno. Depois de alguns dias o inferno já não é tão assustador, mas a cadeia quebra qualquer lógica. Cumpri em Neves quase 2/3 da pena, vivenciei momentos tenebrosos, presenciei várias tentativas de suicídio e homicídio, com a ajuda de companheiros de cela evitamos desfechos trágicos, em alguns casos. Na prisão as palavras podem absolver ou sentenciar, dependendo do papo a cobrança é severa! 

O sistema capitalista é simbiótico, consegue implantar seus métodos desumanizadores em espaços desumanizados. Já no complexo de Gericinó (condomínios prisionais), que pouco se difere dos calabouços da Polinter. Adquiri a expertise e percebi como é o funcionamento das estruturas de poder, dentro e fora das celas, me esquivei de diversas situações, o papo reto, a fé, a família e a humildade foram meus mediadores de sobrevivência. Confesso, que é um privilégio ter a família apoiando, sem elas estamos praticamente mortos. Sendo assim, vou me deter no dito popular que sintetiza bem o funcionamento da prisão, “manda quem pode, obedece quem tem juízo”! É questão de sobrevivência.  

Necessidades vitais para manter a produtividade do corpo e da mente são afetadas de forma severa no dia a dia prisional, por exemplo, o sono, alimentação e tantas outras que são violadas. Tudo isso produz picos de estresses, ansiedade, ódio e impotência nos quais se misturam e formam uma bomba relógio pronta para explodir ou implodir a qualquer instante. Ver os dias passarem atrás das grades mutilam o futuro. A visão de projetar novas possibilidades têm maiores probabilidades quando estamos no período de visita, no momento em que recebemos doses de esperança e acolhimento. E quem não tem? 

Nem todos sobrevivem as poderosas investidas da saudade e da culpa, do abandono, das doenças letais e das partes disciplinares, dos desenrolados e do cumprimento da pena. É tenso, já encharquei muitas folhas de papel escrevendo noites inteiras sob à luz do balão (lâmpada envolvida por papel para diminuir a luminosidade) tentando manter meus sentimentos e emoções saudáveis, a fim de expressar todo meu amor por minha família, tendo como pano de fundo o cenário da cadeia velha.  

Depois de algumas transferências e progressões de regime, cumpri 5 anos e 6 meses, passei pelos portões penitentes, continuo cumprindo a pena na condicional, ainda arrasto as correntes da sanção. Vou ao patronato ( Margarino Torres), escrevo meu nome a cada três meses nos registros da Seap, para garantir minha sobrevivência faço o possível e o impossível, resisto e continuo na minha aguerrida caminhada. Penso no massacre que meus familiares passaram e a cada lágrima derramada na trajetória ao me visitar. Por isso, saboto e frustro todos os dias os planos do Estado em querer me ver preso. Portanto, das minhas correntes faço instrumentos de luta e me emancipo pela força da educação. 


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