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Favela do Jacarezinho – Foto: Léo Lima

Por Joel Luiz

Alguns meses atrás eu fui, via Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ, visitar uma unidade prisional do complexo prisional de Bangu. Foi das coisas mais tensas que já fiz na vida. Como advogado criminal já entrei em presídios para tratar com clientes muitas vezes. Mas, esse tipo de acesso, é bem restrito. Em regra, entramos por um portão de acesso a familiares e advogados, fazemos os procedimentos burocráticos como preencher livro de visita, raio x e vamos direto ao parlatório.

O contato visual com o interior do presídio é bem pouco, salvo algumas exceções em que o parlatório é localizado mais para dentro da unidade prisional. Assim, ainda que não fosse a primeira vez, muita coisa naquela visita foi inédita.

Estar em contato direto com as pessoas que estão com a liberdade restrita, no parlatório falamos por interfone dentro de uma cabine, foi certamente algo muito intenso. Sente-se, em algum nível, no ar o peso da falta de esperança e perspectiva que habita naquele local. As reclamações de comida azeda, falta de água, falta de suporte médico mesmo em emergência, desamparo jurídico, cadeia vencida, doenças e ratos só reforçam a sensação de que ali é o fundo do poço social onde foram jogados.

Um poço que, certamente, não começa na delegacia, mais sim, muito antes. Lembro de duas coisas que muito me marcaram naquela visita. Não só o impacto visual, mas como essas coisas me remeteram à um passado não muito distante, algo em torno dos meus 10, 12 anos, ou seja, 2 décadas atrás.

As paredes das celas e o vão por onde escorria a água suja da galeria, instantaneamente, me lembraram uma das residências mais precárias que já pude frequentar.

A casa de uma senhora que fui algumas vezes, ela morava com seus 6 filhos, mãe solo, na parte alta da favela do Jacarezinho há 20 anos atrás. Era um pequeno vão de entrada, uma cozinha emendada na sala, um quarto no andar de cima, que tinha como acesso uma escada estreita e um tanto improvisada.

E digo isso, apegado a aspectos bem objetivos. A parede, tanto da cela quanto dos cômodos daquela habitação precarizada, eram a materialização do abandono. Fica evidente que ali houvera uma pintura, quando da sua construção, e nunca mais nada havia sido feito. Agora existia uma mistura de concreto, tinta velha e desgastada, oleosidade do contato com a pele humana e sujeira acumulada ao longo dos anos sem qualquer cuidado.

O vão por onde a água escoava, era preto e deteriorado pelo contato contínuo com água suja que por lá passava. Exatamente igual a parte do chão por onde saia água da casa que me refiro, onde a água do tanque de lavar roupas, se mistura com a de outros cômodos a caminho da rua. Sem qualquer aspiração a saneamento básico, tal qual, o presídio visitado.

Esses locais, tanto o presídio como a habitação precarizada característica das favelas cariocas, só existem em razão de ações direta do Estado, feitas a longo prazo.

O abandono, dos dois locais, faz com que as características que, logo de cara, me fizeram associá-los, não seja uma mera coincidência. Esses locais, presídios em que o fundo do poço social está materializado, habitações urbanas em que se vive no limite do necessário, são o que o Estado oferece a esses grupos.

E oferece a uma mesma população: pobre, negra e marginalizada. Pois, a população negra é maioria tanto nas favelas como nos presídios. Isso nos faz pensar, seria um a continuação do outro? Para o Estado brasileiro parece que sim.


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