1 10 min 3 anos

Por: Nívia Raposo e Cristiano Silva

As mães e familiares vítimas da violência de Estado são os grandes protagonistas no enfrentamento a violações de direitos humanos no Brasil. Por isso, a IDMJR preparou uma série de entrevistas sobre a vida nas favelas e periferias e os possíveis impactos da aprovação de um conjunto de medidas legislativas que intensificam a militarização na sociedade e estão em tramitação atualmente na ALERJ, são elas: PEC do Socioeducativo, PEC de Polícia Penal e um Projeto de Lei que anistia policiais e bombeiros que foram expulsos por indisciplinas.

No primeiro episódio desta série de entrevistas, temos a Zoraide Maria da Cruz, uma mulher guerreira e que compartilha conosco um pouco de sua dor, luta e trajetória no enfrentamento às políticas de extermínio do Estado do Rio de Janeiro. 

Ao longo da entrevista, Zoraide nos conta os reflexos e impactos da violência urbana vivenciada por Marcos Paulo, um menino com muitas qualidades e afetos. Mas, que também trazia uma profunda dor causada pela ausência da mãe biológica. Zoraide ressalta que além de ser seu sobrinho, era seu filho, pois o criou e acompanhou seu desenvolvimento.  Essa entrevista mostra como a violência do Estado  é um fator determinante para a morte da juventude negras das favelas e periferias e que são impactados diretamente pela política genocida de de segurança pública.

IDMJR: Você pode falar como era  sua vida e a do seu filho Marcos Paulo antes do assassinato dele que foi realizado por um agente prisional?

Zoraide: “Eu comecei a cuidar dele aos 6 meses de idade, como eu falei, a mãe não quis ficar com ele. Ela (a mãe biológica) era muito nova e meu irmão que é o pai entregou aos meus cuidados. Meu esposo me ajudou muito nesse processo. Era uma criança saudável, alegre e estudava, tinha bom aprendizado. Mas, aos 12 anos ele perdeu minha mãe, avó dele.

A minha mãe era o pilar da família, éramos a base familiar dele, daí em diante o seu comportamento mudou, ficou inseguro e revoltado, dizendo que se minha mãe estivesse viva ele não estaria sofrendo. 

Eu gostava dele e percebi que o psicológico dele estava muito abalado. Então começou a usar maconha, pois ele dizia que era pra relaxar. Observei que ele se colocava em risco e por diversas vezes tentei ajudá-lo. Ele ficou um jovem inseguro, sofria muito, se sentia rejeitado, sabia a história da mãe que o deixou. Era muito amado pelos(as) amigos(as), todos(as), falavam muito bem, até hoje, quando vou na igreja eles pedem o endereço de onde ele foi enterrado para colocar flores, outra(os) querem uma lembrança com a foto estampada na camisa, e ainda fizeram um vídeo para homenageá-lo”.

IDMJR: Ele frequentava a igreja contigo?

Zoraide: “Sim, chegou a frequentar e aceitou Jesus, mas depois se desviou. Ele carregava com muita tristeza a história de abandono da mãe, todo esse sofrimento o levava a fazer uso de drogas, ele dizia que era para amenizar o nervosismo. Foi pai cedo, amava demais seu filhinho, tinha medo de perdê-lo. Parte da família o criticava, eu, o compreendia, paparicava, dava amor, pois sabia a dor que ele carregava, cada um sabe o tamanho da dor que carrega!”

Uma reflexão importante é como a Igreja pode ser ao mesmo tempo saída, como um instrumento de controle dos corpos.

IDMJR: Como foi a morte dele?

Zoraide: “Nunca vou esquecer! Deus falou comigo durante vinte e cinco dias, eu vi em sonho, conversei com ele, falei com ele que tivesse cuidado, não saísse para nada, não brigasse, não discutisse, não ficasse perto de nenhuma conversa que as pessoas pudessem tirar perguntas. Mas, ele achou que não ia acontecer nada naquele dia, e ele falou que seria o último, ia fazer e guardar o dinheiro para comprar as coisinhas do filho dele no período que estaria procurando emprego.”

Cheguei até arrumar um emprego para ele, mas ficou pouco tempo e saiu, ele não tinha maturidade, ficou muito preso no sofrimento dele, encontrou nos amigos a atenção que procurava e se sentia confortável e juntos se colocavam em risco. Quando não estava nesse círculo de amizade percebia uma melhora no seu comportamento.

O dia de sua morte ficou marcada no peito, mexe tanto comigo, meu Deus! Quando olho aquelas crianças dele, que eu vejo o jeitinho do menino com os trejeitos dele, meu Deus…Tudo muito marcante.”

IDMJR: Como vc descobriu que foi um agente do sistema prisional que matou seu filho?

Zoraide: “Descobri pela reportagem, em um programa de televisão, onde apresentador dizia: “que não era necessário cancelar o cpf”, e por terceiros, aí investiguei a fundo e segundo as informações que colhi, foi um agente penitenciário que o assassinou.”

IDMJR:  A Alerj está para votar duas PECs que envolve a militarização da vida. Uma que transformam os agentes socioeducativos em servidores de segurança pública e uma em que o agentes prisionais passaram a ser policiais penais. O que você acha disso, já que foi um agente de segurança que assassinou seu filho?

Zoraide: “Eu acho que essa lei não deve ser sancionada, ela não deve existir favorecendo, os agentes penitenciários não, porque eles são pessoas, não posso generalizar que todos são. Mas,a gente sabe que a maioria está muito violenta, tanto está, que negou o direito de prender meu sobrinho, ele podia ter prendido em vez de ter matado, até porque o meu sobrinho já estava soltando, saindo do trem. Isso é sinal que não oferecia mais risco de vida a ninguém, inclusive para ao próprio agente, conforme um determinado apresentador falou na reportagem que mostrava sobre o assunto.

Então, eu sou contra que eles virem policiais penais. Eu acho até com a gente eles deveriam ter menos poderes, porque eles torturam muitas pessoas, se já estão dentro dos presídios, essas pessoas estão pagando suas dívidas com o Estado e com a sociedade. Então não precisa de tortura, eu acho que precisa de uma medida educativa para que os presos(as) e os(as) detentos(as), possam se profissionalizar, terem cursos, palestras oferecer oportunidades, uns não aproveitarão, mas outros sim.

Com isso, muitos terão a chance de conhecer outras possibilidades. Agora, sendo torturados(as), espancados(as),maltratados(as), tortura psicológica e física, eles(as), sairão reproduzindo todas as violências sofridas, afinal de contas, são seres humanos que estão ali dentro. Por isso, sou totalmente contra a este projeto de emenda constitucional”.

IDMJR: Gostaria envia uma mensagem para os deputados/as da Alerj sobre essas medidas legislativas?

Zoraide: “Senhores(as) deputados(as), eu sou mãe de Marcos Paulo que foi assassinado dentro do trem, voto contra, no meu ver um agente penitenciário não tem condições de assumir um posto de policial. Digo por experiência vivida no seio da minha família, o meu filho poderia estar vivo, pagando ao Estado e à sociedade a dívida que ele tinha, mas esse direito foi negado por um agente penitenciário. Após meu o filho cometer o delito, o agente poderia prendê-lo, em vez disso, preferiu matá-lo.

Sei que muitas mães e familiares sofreram ou sofrerão esse tipo de violência, devido isso reforço o meu voto contra, para que os números de morte não aumente, não é matando que os índices de criminalidade serão reduzidos, senhores deputados e deputadas, todos(as) têm direito a vida”.

Devido ao histórico de violações de direitos humanos existentes no sistema prisional e em todo aparato de segurança pública, a IDMJR se coloca de forma total, ampla e irrestrita a qualquer medida que estimule a militarização, truculência e a letalidade das instituições policiais.


One thought on “O APELO DE UMA MÃE: NÃO À PEC DE POLÍCIA PENAL!

  1. A respeito da entrevista eu só tenho uma coisa a dizer…
    “MAE É JUIZ QUE NAO CONDENA”
    Quantos desses meninos arregimentados pó crime não tiraram vidas, seja no emprego de armas ou mesmo na venda de drogas?
    E se esse mesmo menino durante um assalto tirasse a vida do seu filho (entrevistador), o seu pensamento seria o mesmo?
    Fica a pergunta.
    Pimenta nos olhos dos outros é refresco.

Deixe uma resposta