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Por Nívia e Fransérgio Goulart

O dia 30 de agosto foi definido pela ONU como o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados.  A técnica de desaparecer com corpos  têm sido utilizada como uma forma de espalhar terror nas sociedades há séculos.

Vale ressaltar que a universidade e sua branquitude no Brasil pauta essa discussão somente a partir dos processos da ditadura empresarial-militar acontecida na América Latina. Mas, para nós da IDMJR, essa técnica existe no Brasil desde a invasão portuguesa. Iniciando-se no Brasil Colônia, passando pelo Brasil Império  que já utilizavam técnicas de desaparecimentos forçados com indígenas e negros.

Dada a presença e a ampliação da política de Milicialização , 60% dos casos de desaparecimentos do Estado Rio de Janeiro concentram-se na Baixada. Pois, essa técnica de desaparecimentos forçados é cotidianamente e utilizada pelas milícias como um código corretivo para quem burlou alguma lei da milícia no território.

Ao longo da semana teremos uma série de entrevistas com familiares de vítimas de desaparecimentos forçados. Nesta primeira entrevista, nossa convidada é a Vera Lúcia, mãe do jovem Lucas da Silva Xavier. Confira a entrevista!

IDMJR: Conte um pouco a história como seu filho desapareceu?

Vera Lúcia: “Conversamos na sexta e no sábado, e no sábado à noite ele foi numa festa com os amigos. No dia 28 de outubro de 2018 ele falou que no domingo viria almoçar comigo e eu deixei de votar esperando ele, e ele não apareceu. Na segunda fui trabalhar, aí Suzane ligou perguntando se ele estava lá em casa eu falei que não. Aí ela falou que ele estava desaparecido desde sábado. Começamos a procurar, de segunda e achamos ele na quarta. Uma senhora, uma abençoada lá botou na notícia a foto dele, que ele estava em Austin, estrada de Adrianópolis.

Começamos a procurar e estava difícil achar, muito mato, difícil acesso. Até que ela resolveu dá o endereço dela e levar a gente até onde o corpo estava. Chegando lá reconhecemos o corpo e esperamos os procedimentos da perícia, essas coisas todas. Ele tinha marca de espancamento e quando viraram o corpo dele para ver que ele tinha tiros na bunda e nas costas. Uma coisa assim e na hora do laudo, não sei se isso é da perícia do laudo que eles dão, não botaram que ele tinha tido tiro, entendeu? O papel que eu tenho aqui disse que ele não morreu de tiro, foi traumatismo craniano e hemorragia, mas ele levou um tiro sim.

Porque a Suzane lembra que ele estava com uma marca de tiro. Ele foi encontrado entre Austin e Adrianópolis numa mata fechada, tinha muitas cercas velhas. Nós entramos em Austin e saímos em Adrianópolis. Demorei três dias para encontrar ele, foi muito difícil”.

A IDMJR gostaria de ressaltar que esta parte da região de Adrianópolis que foi mencionada pela mãe é uma das áreas de desova das milícias, que já estão inserida no mapeamento de milícias que será divulgado em breve.

IDMJR: O Estado reconheceu em algum momento a responsabilidade de realizador do Desaparecimento?

Vera Lúcia: “O suspeito foi um amigo. Dois amigos o chamou para ir para uma festa em Austin alegando que o pai dele morava lá, mandava em tudo lá. Meu filho foi para essa festa em Austin, os dois voltaram vivo e meu filho morto. Só que um desses meninos o mataram, que foi o Leone Júnior, acho que foi esse ano mesmo e o outro está desaparecido. O pai dele era um vereador de Austin e o pai de Lucas com medo deixou pra lá, né. Fez queixa de desaparecido. Não fizemos a denuncia na época com medo”.

O medo de realizar a denúncia para as instituições de segurança pública já é um indicador que não existe responsabilização pelas violações que são cometidas em territórios periféricos e favelados. Esse desaparecimento seguido de morte tem indícios de participação de milicianos e a omissão  e a cumplicidade do Estado são marcas desse caso.

 IDMJR: Após quase dois anos, por que vc se mantém nessa luta?

Vera Lúcia: “Na verdade não tenho força muita para lutar, fazer justiça.  Porque quando ele morreu eu queria ter feito a denúncia de desaparecimento, dado o nome das pessoas que estavam com ele, mas a família ficou com muito medo, ficou com receio. Também não sabia com quem eu estava lidando ainda. Aí a gente vai tentando ter forças né, vai vivendo. E também é revoltante o que vai acontecendo com outros familiares, não é só comigo.”

IDMJR: Como é manter a luta por garantia da memória do seu filho?

Vera: “Na verdade ele tem redes sociais, eu tenho amigos dele que mesmo não sabendo que eu participo do projeto mães e familiares da Baixada, eles tão sempre postando coisa nas redes sociais. Todo mês eles postam alguma coisa e eu posto alguma coisa, a gente sempre deixa uma lembrança lá no Facebook dele. Alguma coisa escrita, dessa forma.”

O desaparecimento seguido de morte do Lucas tem indícios de participação de milicianos e a omissão  e a cumplicidade do Estado são marcas desse caso. Sua mãe, Vera Lúcia segue na luta por direito a memória e justiça.


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