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Por Rayssa Pereira

O Movimento das Associações de Moradores de Nova Iguaçu – MAB marcou historicamente a cena politica de Nova Iguaçu, desde a organização de lutas pelo direito à cidade, como acesso a água, saneamento básico e energia elétrica até o enfrentamento cotidiano a Violência de Estado na Baixada em uma época de domínio dos grupos de extermínios nos bairros. Por isso, Luiz Bruno, uma importante liderança iguaçuana dos movimentos comunitários nos brindou com esta estigante entrevista sobre a fundação e atuação do MAB.

Luiz Alberto Bruno, mais conhecido como Luiz Bruno, nasceu em Nova, Iguaçu e ao longo de toda a sua vida nunca viveu fora da Baixada Fluminense.  Luiz Bruno é professor de História da Rede Pública Estadual e Municipal, militante e ativista do movimento negro. Iniciou sua militância na Associação de Moradores da Prata, bairro onde nasceu e foi criado por um pai operário da construção civil e uma mãe que criava sete filhos e não podia trabalhar fora de casa devido a não permissão do próprio companheiro.

IDMJR: Qual o ano de fundação do Movimento das Associações de Moradores de Nova Iguaçu – MAB e como iniciou sua luta contra a violência de Estado? Qual foi o motivo?

Luiz Bruno: O MAB, foi fundado em 1974, mas seu auge ocorreu na década de 1980, quando foram criadas, praticamente em todos os bairros de Nova Iguaçu, as históricas associações de moradores. A da Prata, bairro onde morava, foi criada entre 1981 e 1982. Por ser participante delo grupo jovem da Igreja Católica Santo Antônio da Prata, a Fátima Braz fez o convite e criamos o movimento. Daí tive contato com outras pessoas ligadas aos movimentos comunitários. Havia a reuniões locais quase toda semana, onde deliberávamos propostas e ações para melhoramento do bairro, enviando ofício para os órgãos públicos, como Prefeitura, Light, Cedae e etc.

A maior parte dos bairros não possuíam asfaltamento, água encanada, rede de esgoto e nem iluminação pública. Convivíamos com lama, poeira, valas abertas, uma rede pública de saúde bastante precária, sem postos de saúde, poucas escolas, falta de policiamento, assassinatos e os corpos ficavam o dia inteiro até o rabecão passar a tarde e recolher. Havia também o medo de assaltantes e mais tarde do exterminador conhecido como “Mão Branca”. Esse era o quadro até meados da década de 1980. 

Foi contra essa violência institucionalizada e estruturada que passei a lutar por melhores serviços públicos para todos e todas. Iniciou-se como uma participação de uma pessoa comum e depois percebi que estava fazendo política e esse era e é o caminho. Afinal, a elite econômica e política brasileira controla o Estado e prioriza a humilhação das pessoas. São filas longas, atendimento ruim, serviços públicos prestados com enorme deficiência, coisa provocada, planejada. Quando se entende essa atitude da elite, se ressurge contra esse quadro, essa violência simbólica. Ao responder a altura ao grupo dominante, a elite reage com a violência física. 

IDMJR: Como se organizavam e quem participava?

Luiz Bruno: As associações eram legalizadas, com registro de fundação, da composição da diretoria, CNPJ e obrigações legais, regimento interno e estatuto. Para participar, a pessoa deveria assinar uma ficha de associado e tinha que morar na Prata, ter mais de 18 anos de idade e pagar as mensalidades, equivalente a 1% do salário mínimo da época. Todos poderiam formar chapas para concorrer à diretoria. Nunca consegui ser presidente devido ao meu posicionamento político e não concordar que a entidade se aproximasse de candidatos ou parlamentares. Sempre fui atuante, vale a pena ressaltar que as reuniões de quase todas as associações de bairro eram feitas nos salões das Igrejas Católicas, inclusive os encontros do MAB eram realizados nos salões da Catedral de Santo Antônio de Jacutinga, nos congressos ou seminários eram feitos no Instituto de Educação Rangel Pestana, IERP, no Centro de Nova Iguaçu.

IDMJR: Quais eram suas estratégias de luta?

“Se no passado o inimigo era o grupo de extermínio que possuía suas vítimas marcadas, agora são os grupos de milicianos – que como agente do Estado, ou mais próximos e dentro de um projeto de poder mais amplo, vê o inimigo de sempre: aqueles e aquelas que lutam politicamente por uma vida melhor!”

(Luiz Bruno)

Luiz Bruno: Eu tinha um posicionamento contrário as promessas dos candidatos a cargos eletivos. A nossa estratégia de luta era justamente não compor com possíveis candidatos e parlamentares (vereadores e deputados). Depois da fase dos ofícios, estes não tinham mais efeitos, pois não éramos atendidos para além da burocracia institucional. O MAB conquistou a identificação de grande parcela da população e engajamento social porque fazia isso com política, manifestações e conhecimento de causa. E por isso, muitos candidatos se filiavam às associações para ter um novo tipo de aproximação com o povo.

IDMJR: O que não fariam hoje?

Luiz Bruno: Permitir a intervenção de partidos políticos. Entendo que estes são importantes, mas é outro patamar, de negociações, busca pelo poder, quase sempre desvinculados as reivindicações básicas da população. Isso para mim foi danoso para o movimento. Entendo que muita coisa que o Estado colocou em prática, como políticas públicas, vieram dos movimentos sociais, das lutas, das argumentações, enquanto outras foram partidarizadas e fracassaram, outras passaram distante das reivindicações do povo. As lutas da época, embora importantes, não se tinham vínculos uma com outras.

IDMJR: Quais eram as dificuldades na época para concretizar essa luta?

Luiz Bruno: O MAB e as associações passaram a ter um nível de politização alto ou muito alto, mas as grandes lideranças do município com um conhecimento das estruturas do poder público não faziam formações políticas populares. Havia a disputa entre eles e elas sem a preocupação de elevar o nível de entendimento aos demais, queriam apenas que fossemos seguidores das articulações partidárias.

Muitas dessas lideranças locais lançaram suas próprias candidaturas em seus respectivos partidos. Penso na importância tamanha dos movimentos sociais, desta forma que estejam sempre acima dos partidos políticos, estes devem atender as demandas, sabendo que haverá sempre negociações partidárias.  

IDMJR: Qual é sua mensagem para os movimentos e organizações que fazem hoje a luta contra a violência de Estado? 

Luiz Bruno: Em primeiro lugar, tomar muito cuidado. Se no passado o inimigo era o grupo de extermínio que possuía suas vítimas marcadas, agora são os grupos de milicianos que como agente do Estado, ou mais próximos e dentro de um projeto de poder mais amplo, vê o inimigo de sempre: aqueles e aquelas que lutam politicamente por uma vida melhor, combatem o racismo, a homofobia, a misoginia, a concentração de renda, querem uma educação e saúde de melhor qualidade e o respeito ao meio ambiente pela ótica dos povos tradicionais e pela ciência. 

IDMJR: O que você vislumbra como projeto político de Segurança Pública?

Luiz Bruno: Segurança Pública deve ser entendido como garantia a vida das pessoas, seus bens móveis e imóveis e nunca priorizar a morte como solução daquilo que incomoda socialmente. Para chegar a esse nível é necessária uma discussão maior, com a derrubada daqueles e daquelas que defendem que a vida de uma pessoa é maior e melhor do que o de outras tantas vidas.

Considero de suma importância tratar da formação política das pessoas, muita roda de conversa e traçar caminhos. Aproveitar cada momento, inclusive o eleitoral, para pressionar e falar sempre da importância da segurança pública, pois o braço armado do Estado não precisa ser assassino. As pessoas precisam saber e sentir que estão seguras. É um projeto a longo prazo, primeiro desarmando os dois, três lados armados e que nos intimidam ou matam; concomitantemente desarmar as mentes, desconstruir aquilo que foi montado para garantir a legalidade da morte por parte do poder governamental, além de respeitar o ambiente de moradia.

Luiz Bruno, nesta entrevista deixou pistas importantes sobre a construção de um projeto político popular e emancipatório para a Baixada Fluminense para além dos limites da institucionalidade da democracia representativa burguesa. Em uma conjuntura tão efervescente, podemos construir uma outra forma de sociedade a partir da organização das bases sociais locais. Venceremos!


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