
Por: Monique Rodrigues
A luta histórica na Baixada Fluminense traz nas entrelinhas da história personalidades pouco conhecidas que tiveram uma atuação fundamental no enfrentamento às violências de Estado. Este é um território onde a resistência se constrói no dia-a-dia, dentro dos bairros, respeitando a particularidade de cada experiência. A Baixada Fluminense, com seus 13 municípios, e uma infinidade de culturas resultante das migrações diversas que ainda acontece a cada novo processo de reorganização da opressão capitalista, têm muito a nos ensinar sobre a importância da resistência coletiva.
A campanha 30 de abril – Dia da Baixada: Memórias e Resistências contra a violência do Estado da Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial quer protagonizar essas memórias no intuito de valorizar a luta que se faz silenciosa e cotidianamente. Nessa entrevista apresentamos o militante Ernande Silva, que faz parte do cenário das resistências pelo direito à vida, cidadania e liberdade na baixada.

IDMJR: Ernande, pode fazer uma breve apresentação?
Ernande: Sou Ernande Silva. Ex- militante do Movimento comunitário da Baixada Fluminense (MAB), Militante do PCB (Afastado temporariamente) contestador ativo contra a Desigualdade social,de raça e classe. Sou filho de oficial do Exército, reformado, ex-combatente, e sempre teve uma posição de esquerda. Inclusive, ele não participou ativamente, mas sempre foi contra a opressão e a ditadura militar. Mesmo ele sendo militar ele era contra. Então eu já venho dessa orientação política do meu pai, lá em casa só eu.
Ele faleceu há pouco tempo mas sempre me orientou enquanto pequeno, assim com 15/16 anos, eu já levava algumas coisas, porque quando houve o golpe, todo mundo teve que se mandar né, outros fugiram, ele fazia parte de um grupo de 11 brizolistas e eu levava informações no HCE. Ele foi pro HCE porque lá ninguém podia colocar a mão nele. E também não tinha nem a dimensão do que podia acontecer, achava que a coisa não era grave assim, ele era defensor do governo Goulart (João Goulart – 1961/1964), gostava das propostas de Goulart e ele era um homem de esquerda.
IDMJR: Nos conte um pouco sobre sua luta.
Ernande: Desde o Ano de 1981 militando em defesa dos mutuários da Baixada, onde já havia discriminação de Raça e Classe com forte repressão do Estado contra os trabalhadores na reivindicação da casa própria. E no Partido (PCB) ingressei-me no Ano de 2002.Por entender que a Organização PCB têm uma história de Luta por uma sociedade justa, igualitária e fraterna.
Então eu já venho desde 16 anos, quando houve o golpe, acompanhando a política, as injustiças sociais, e os partidos PCB, principalmente, foi cassado e aí militava dentro do MDB, o MDB antigo, histórico e eu vim acompanhando as notícias de jornais, meu pai me orientava muito, e eu tive uma formação política dentro de casa. Aliás dentro de casa, ele orientava todo mundo a lutar contra as injustiças sociais, tinha essa visão, naquela época a coisa era muito complicada, a UDN, havia uma oposição muito forte da direita e ele me orientava nesse sentido.
IDMJR: Como se organizavam? Quem participa?
Ernande: No Caso dos movimentos comunitários,a luta era abrangente saúde, moradia, a questão agrária e principalmente a situação da moradia e contra repressão do Estado contra os Trabalhadores. Na Baixada Fluminense a questão da Terra sempre gerou a violência do Estado. A ditadura militar nos deixou esse legado. Participavam as Lideranças dos grupos acima juntamente com os sindicalistas e o Apoio da Diocese Local, de N.I e os Partidos que abraçaram essa causa (de Esquerda, é claro ) como o PT que teve grande influência nesta Luta.
E nessa luta por moradia os mutuários, eles faziam reivindicações pela casa própria, e nessa reivindicação eu comecei a participar, e aí a coisa ficou não não só pelos mutuários, ficou mais abrangente, transporte, saúde, educação, segurança pública. Nós fizemos, uma permanência na Prefeitura, durante 1 dia e 1 noite, solicitando ao prefeito da época, que o desempregado mais de três meses, a redução da passagem que era cara, desempregado e estudante, o passe foi concedido, mas a reivindicação para os desempregados não foi concretizada.
IDMJR: Quais eram as estratégias de luta?
Ernande: Fazíamos reuniões periódicas com trabalhadores Rurais, com os Mutuários da Habitação e demais entidades. Dando orientações políticas as pessoas, as quais participavam das reuniões sobre seus Direitos (moradia, segurança, Terra e etc), as mesmas, as vezes clandestinas devido a fortes repressões do Estado nas Periferias. A Clandestinidade era estratégia contra essa violência de Estado.
Nós sabíamos quem é quem através dos seus discursos. PCdoB, PCB, as várias organizações sociais, a igreja, os mutuários, os sem terra, nós sabíamos identificar através do discurso, e dentro dos sem-terra também, havia as pessoas que eram engajadas em partido também. Depois em 80 / 81 achamos por bem, porque a repressão na época era meio complicada né, na baixada sempre foi, houve o surgimento do PT, a igreja, intelectuais de esquerda, aqui em Nova Iguaçu, eu fiz parte do PT, fui um dos fundadores, com várias pessoas.
“Se em um momento a igreja contribuiu muito com a luta em outros a passividade não colaborava”.
(Ernande Silva)
IDMJR: Qual eram as dificuldades na época para concretizar essa luta?
Ernande: Muitas. As pessoas tinham dificuldades de locomoção, muitos desempregados e também estudantes, a segurança pública a serviço do Estado repressor, pouca visibilidade política de alguns, disputas políticas internas nas organizações (alguns reacionários), apassivamento de parte da igreja entre outras coisas. Se em um momentoa igreja contribuiu muito com a luta em outros a passividade não colaborava.
IDMJR: O que não fariam hoje?
Ernande: Muito reunismo (reuniões) sem uma organização forte politicamente, porém entendo que a luta deve ser contínua e permanente em todos os sentidos, porém com o destaque na questão racial e de classe.
IDMJR: E qual sua mensagem para os movimentos e organizações que fazem hoje a luta contra a violência de Estado?
Ernande: Lutar sempre, não retroceder nos seus objetivos,se organizarem sempre na luta a favor do bem comum, serem comedidos em suas oratórias (porém, com firmeza). E claro que as divergências ocorrem, porém isto faz crescer politicamente e faz chegar a convergência naquilo que nos une, contestar sempre a violência do Estado contra o oprimido e ser diplomático porém firme e cauteloso pois sabemos que alguns são meros agentes do Estado repressor.
IDMJR: O que você vislumbra como projeto político de Segurança Pública?
Ernande: Vislumbro na preparação e educação dos Agentes de Segurança Pública voltada para atender o cidadão independente de um projeto político partidário, porém uma política pública de Segurança do Estado e abrangente em todos os setores. Inclusive eu não acredito muito no parlamento, o parlamento é um local onde você pode fazer seu contraponto, mas tem um ditado que eu ouço falar muito: Só a luta muda a vida, isso aí é muito vago, porque palavra de ordem é muito bonito, agora eu quero vê o dia-a-dia. Agora nós estamos em uma situação muito mais difícil. Não me cabe fazer crítica a esse ou aquela organização partidária, só que agora é hora de lutar, a gente quer uma sociedade justa, fraterna e igualitária.
A memória coletiva das lutas, têm mostrado que enquanto houver injustiça existirão pessoas lutando contra elas. Os processos iniciados desde os primeiros tempos, com indígenas e quilombolas, que vem se atualizando a cada novo modelo de violência e opressão contra as populações pobres, negras e periféricas, encontram resistência das mais variadas formas.
O enfrentamento será sempre a resposta e por isso é tão importante contar a história pela perspectiva de quem constrói contra narrativas.
A Baixada Fluminense é um celeiro de resistência, luta, enfrentamento contra as violências de Estado.