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Por Fransérgio Goulart e Giselle Florentino

Uma cena brutal chocou, os americanos e o mundo, a execução em Minneapolis nos EUA de George Floyd, homem negro de 46 anos realizada por policiais brancos no dia 25 de maio — esse brutal assassinato permite continuarmos nossa indagação: para que serve a polícia no Brasil e no mundo?

Cada dia que passa os aparatos policiais se tornam, em todo o mundo, cada vez mais violentos e hostis. As agressões e o genocídio cotidiano são praticados pela polícia sempre contra uma parcela específica da população.  A classe trabalhadora negra, latina, indígena, favelada, periférica e imigrante que durante todo o processo histórico a  supremacia branca do capital construiu como o  outro, o inimigo a se abater.

Os números da violência policial nos EUA possibilita a desconstrução do imaginário da sociedade que ainda acredita que a polícia americana é uma polícia cidadã. Vejamos esses indicadores: o grupo de pesquisa Mapping Police Violence, aponta que a polícia dos EUA foi responsável pela morte de 1.099 pessoas, dados apenas do ano de 2019. Desses mortos, 24% delas eram negras. 

Vale ressaltar aqui, que negros nos EUA, corresponde a 13% da população do país. Cerca de 200 a 300 negros morrem anualmente nas mãos de policiais, mesmo sendo a menor parcela populacional, ainda são o grupo étnico-racial que mais sofre com a letalidade da Polícia.

Entendo a importância de garantir a memória e justiça racial para as vítimas das distintas formas de violação do Estado, relembramos as pessoas que foram assassinadas pela polícia norte-americana. Nossos mortos têm voz. Afinal, o primado do não esquecimento volta-se para uma perspectiva intergeracional, de um futuro diferente e para que os atos traumáticos não mais se repitam.

Em 2014, Eric Garner, de 43 anos, morreu após o policial Daniel Pantaleo enforcá-lo durante uma abordagem por venda ilegal de cigarros. Garner, assim como Floyd, alertou, no momento da agressão, que não conseguia respirar. Nesse mesmo ano, Michael Brown, de 18 anos, foi morto pela polícia que descarregou sua arma várias vezes contra o jovem desarmado. Em 2015, em Baltimore, Freddie Gray, de 25 anos, foi preso após policiais encontrarem uma faca no bolso dele e levado à delegacia em uma van. Ao chegar no local, Gray foi transferido para uma clínica com lesões graves na medula. Ele entrou em coma e morreu uma semana depois.Em 2016, Terence Crutcher, de 40 anos, foi morto a tiros pela polícia de Oklahoma. Em 2018, o policial Michael Rosfeld matou Antwon Rose II, de 17 anos, por este estar em um carro parecido com um veículo que a polícia procurava por envolvimento em um ataque a tiros. 

A polícia cumpre um papel de ser o braço armado do Estado à serviço da dominação capitalista e controle do povo. A polícia possui uma função social de repressão, de coerção, de controle de massas. Por isso, a reflexão sobre o papel do Estado e seus instrumentos de repressão e controle são tão valiosos para pensar de forma estratégica quem são nossos inimigos na luta, porém é imprescindível saber quem são nossos aliados. Para não cometer erros históricos e não mais acreditar que é possível fazer a disputa interna ou a própria reforma do Estado e da polícia.

Dado que a mesma instituição que executa um homem por asfixia nas ruas de Minneapolis é aquela que invade casas nas favelas e periferias, humilha trabalhadores dentro de suas próprias residências, realiza confrontos com armas de guerras nas ruas – muitas vezes durante horário escolar, que utiliza helicóptero como plataforma de tiros, que assassina e desaparece com corpos, uma instituição programada para gerar encarceramento em massa e promover o genocídio cotidiano do povo negro em qualquer parte do mundo.

Outra questão que devemos tratar com seriedade é a diferença de reação das distintas sociedades quando há mortes de negros e/ou imigrantes nos Estados Unidos e na Europa. Nos países centrais, os assassinatos geram um processo de indignação coletiva e insurgências contra essa violência do Estado. 

Em Minneapolis, manifestantes protestam há 4 dias consecutivos após o assassinato de George Floyd pela Polícia. Os protestos registraram pontos de incêndios e carros de polícias destruídos por toda a cidade. As manifestações se estenderam por diversas partes dos EUA, como em Los Angeles, na Califórnia, onde centenas de pessoas marcharam contra a morte de Floyd e a brutalidade policial. Em Memphis, Tennessee também houve manifestação. Vale observar que em todos os territórios que houveram manifestações, a Polícia respondeu com intensa repressão, com bombas de gás lacrimogêneo, pistolas de choque e até mesmo armamento legal.

E por que no Brasil, nas favelas e periferias, esses movimentos de negros e favelados insurgentes pela cidade não provocam manifestação? 

“Esse debate aí de “Preto americano toca fogo, preto do Brasil se cala” só pode ser coisa de playboy falando de si mesmo tomando toddynho no condomínio.”

(Hamilton Borges -Coveiro amador, poeta maloqueiro, militante de literatura quilombista, treteiro de plantão, quilombista, indignado.)

“É como afirma Hamilton Borges mesmo. Nas favelas cariocas toda hora estamos enfrentando a polícia, queimando pneus e ônibus, indo para cima da polícia.” – (Militante morador de Favela ).

Um exemplo desse enfrentamento cotidiano a violência de Estados nas favelas e periferias brasileiras é a Dona Jane de Manguinhos, uma mulher preta que enfrentou sozinha um Caveirão da Polícia e retirou um jovem das garras de uma instituição assassina. 

Voltando a indagação, talvez a pergunta correta a fazer seja: porque movimentos sociais, de fora das favelas e de um campo político dito de esquerda e progressista não se engajam a luta pelo fim do genocídio do povo negro? 

Afinal, porque na maioria das vezes ainda criminalizam atos liderados por favelas e periferias endossando a mídia racista?

Nossa resposta é que essa Branquitude não está disposta a enfrentar seus próprios privilégios e optam por não entender que o racismo estrutural apenas pode ser eliminado na luta pelo superação do capital. Da mesma forma que é impensável construir um capitalismo humanizado, o fim do racismo apenas ocorrerá com o fim do capital e do patriarcado – quando superado todas as formas de opressão dessa sociedade.

Logo, essa Branquitude verbaliza ser contra a violência mas não estão dispostos a contribuir na luta pelo fim do Estado e optam pelo discurso frágil e neoliberal de direitos humanos e inserção social. Acreditam na possibilidade de uma construção de um capitalismo com proteção social e de caráter humanizado. Aliás, pra quem? Esquecem (ou preferem não lembrar) que o capitalismo é na sua essência um sistema de produção baseado na miséria e exploração. Por isso, não é possível reformar a própria essência do capital, que é a expropriação da força de trabalho e como o racismo foi e continua sendo uma alavanca de acumulação importantíssima para a consolidação desse modo de produção.

O pior é que esse discurso adentra as favelas e muito dos nossos acabam sendo seduzidos e acreditando nessa narrativa pacifista e reformista, que apenas nos mantém desmobilizados e reféns das vontades e anseios dos donos do capital.

“Não confunda a reação do oprimido, com a violência do opressor.”

(Malcolm X)

Não existe um manual para construir a luta contra a violência do Estado, como a branquitude tenta imputar em nossas mentes através de suas testes e teorias descoladas da realidade e sem nenhum tipo de combatividade e enfrentamento a um sistema racista.

Como já anunciava Marx: “Os homens [e as mulheres] fazem a sua própria história, mas não a fazem segundo a sua livre vontade; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado”.   

Portanto, o que existe é apoio mútuo nas favelas e periferias que faz sua resistência desde sempre e que sobrevivem até hoje. Talvez o que temos que buscar é um horizonte pautado na seguinte questão: Qual é o nosso projeto político? Para nós, o projeto político que está em construção cotidiana é do fim do capital, do racismo e do patriarcado.

E entendemos que não é suficiente ter um favelado ou um negro/a em um posto de poder, no nosso projeto político, ou ascende todos nós e geramos um processo emancipatório na criação de uma outra sociedade ou não sobe ninguém. Não queremos produzir apenas uma elite favelada e/ou negra. Não desejamos ser incluídos nesse sistema, nosso objetivo é acabar com esse sistema.


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