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Por Fransérgio Goulart

Ontem a noite (17/03), os Ministérios da Saúde, da Justiça e Segurança Pública criaram uma portaria que torna compulsório o isolamento para o controle da expansão do coronavírus e prevê punição por descumprimento. O texto já foi assinado, mas ainda não saiu no Diário Oficial da União.

Diante dessa ação, indagamos o que esperar de um governo federal racista e fascista que foi eleito a partir do slogan: “Bandido Bom, é bandido morto”? Um governo que flexibilizou o porte de armas, apoiou e teve êxito na aprovação do pacote popularmente conhecido como Pacote Moro, onde teremos como resultado o aumento do aprisionamento e endurecimento penal. Logo, o que esperar de um governo com alto caráter de militarização?

Indagamos, mas já conhecemos a resposta. Essa é a política desse governo, militarizar e organizar toda a sociedade pela via do Estado Penal, inclusive o Coronavírus, uma questão de saúde mundial.

Essa portaria vai permitir a policiais encaminhar pessoas a hospitais e casas, mesmo sem mandado judicial. O argumento higienista e racista do governo é que o descumprimento pode caracterizar crimes de desobediência e contra a saúde pública. O descumprimento dessas medidas, resultará na responsabilização civil, administrativa e penal dos agentes infratores.

Ao longo da história já tivemos doenças que serviram para criminalizar e aprisionar segmentos da população. Por exemplo, quais serão os impactos desta portaria para a população em situação de rua, que já convive com problemas de saúde mental, usuária de drogas e sem acesso a condições básicas de vida?

Nesse breve texto de apontamentos sobre mais uma ação racista do Estado,  temos por objetivo apresentar de forma geral como populações e territórios negros e/ou pobres tem sido e tido experiências quase cotidianas de práticas de um Estado Penal. Destacamos ainda, que no centro desta reflexão se faz necessário uma análise da relação do capital e do racismo, que são estruturantes na fundamentação da sociedade brasileira.

“Como é difícil representar o monstruoso, a violência! A teoria social crítica tem que representá-la, e uma das vertentes é enxergar através de Marx, para pensar uma sociedade quando formas sociais maduras. Isso pode ser aprendido, analisando-se o processo de formação social (DURKHEIM).”

Ademais, precisamos entender o que é o Estado Penal e como isso tem se reconfigurado a partir da década de 1990 no  Estado brasileiro. Como aponta o doutor em Filosofia Marildo Menegat em seu artigo intitulado: A Crise da Modernidade e a Barbárie, o futuro está encurtado, as forças dominantes ao perceberem isso, projetam uma nova reconfiguração do poder. Mesmo com a promulgação em 1988 da Constituição, chamada “Cidadã” – por demarcar o que entendemos como Estado Democrático de Direito. Entretanto, desde 1990, há no Brasil uma reconfiguração no poder, ocorreu um avanço considerável nas ações de criminalização e privação de liberdade, ainda que sob a égide da Democracia Representativa Burguesa referendada na Constituição de 1988.

O que vemos nesse ação da portaria da internação compulsória promovida pelo Governo Federal é a materialização desse Estado Penal e a prova cabal dessa nova reconfiguração de poder, onde as violações de direitos irão acontecer em pleno Estado Democrático de Direito, principalmente a partir da atuação das forças policiais com aval dos Poderes Executivo e Judiciário. O que Loïc Wacquant aponta, a partir dos Estados Unidos, como a diminuição de um Estado Social em função de um aumento do Estado Penal, principalmente no que diz respeito à população negra e pobre. Importante considerar, ainda que a palavra crise justifica todo processo que marca as violações, já que a crise é parte constituinte do capitalismo como demonstra a História, ou seja, a crise de valorização de capital hoje está sob a égide do Coronavírus. Vale ressaltar, que se não construirmos um projeto político do fim do capitalismo e suas estruturas racistas e patriarcais estaremos vivendo mais um ciclo de coerção e coesão social produzido pelo capital, com sensação de conjuntura de melhoras e logo após, de potencialização da política de morte.

Não podemos deixar que o direito penal seja ferramenta para prender quem descumprir as regras sanitárias, pois no mundo afetado, as experiências que optaram pelo processo de militarização e o uso do Estado penal não trouxe resultados positivos para o enfrentamento ao coronavírus. Nossa política deve ser de investimento no SUS, no acesso irrestrito a população do exame e em educação popular em saúde, compartilhando informações corretas e de prevenção.

“Crise é perigo e possibilidade. É o grande momento para se processar a mudança pedagógica da dependência e do medo, para a autonomia e a esperança.” (Vitor Pordeus, Imunologista, médico, louco e co- criador da Universidade Popular de Arte e Ciência e meu irmão de luta)


Referência:  

MENEGAT, Marildo. A crise da modernidade e a barbárie.  2000

WACQUANT, Loïc. As prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Zahar, 2001;

__________. Punir os pobres: a nova gestão da miséria nos Estados Unidos [A onda punitiva]. 3ª ed. Rio de Janeiro: Revan, 2007. 

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