
Por Fransérgio Goulart
IDMJR e a luta contra todas as formas de Tortura na Baixada Fluminense-RJ.
“Os amigos falaram que meu filho foi torturado pelos milicianos pois não queria mais pagar o valor semanal que os mototaxistas tem que pagar para trabalharem. E após a tortura, nunca mais vi meu filho.” ( Mãe da Baixada Fluminense)
Tortura e Desaparecimentos Forçados são cenas do cotidiano da Baixada Fluminense, e em alusão ao dia 26 de junho, Dia internacional de luta contra a Tortura, a IDMJR vem ressaltar a brutal dinâmica de violência na Baixada Fluminense, como mais um dispositivo de denuncia contra a toda violência e tortura diária perpetrada pelo Estado Racista Brasileiro.

Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”.( Artigo 5º da Declaração Universal dos Direitos Humanos).
No Brasil desde a invasão dos europeus , passando pela colonização escravista, chegando a ditadura militar e na atualidade as favelas, periferias e prisões, a tortura é algo constituinte do Estado Brasileiro.
Na Baixada Fluminense e em todas as periferias e prisões do Brasil, a tortura é utilizada cotidianamente como instrumento de punição, confissão, controle e opressão sobre, os corpos negros, indígenas, e os que insistem em lutar contra esse Estado.
A tortura desde início foi e é utilizada pelo Estado como política de poder para manter o controle sobre determinados grupos. Se na colônia eram indígenas e escravos, hoje são negros “libertos” e periféricos. Essa política do Estado é um atentado à dignidade humana e que continua a nos envergonhar e a desumanizar.
Vale um breve parêntese aqui sobre a tortura que ela já foi legalizada e prevista em lei do Estado em diversas épocas de nossa história. No século XVIII, a tortura constava em lei, exposta que era em praça pública, tendo o pelourinho como seu símbolo.
Na Constituição Brasileira de 1824 a tortura fora proibida apenas para os homens livres.
Hoje sendo ilegal no sistema de justiça, os corpos do passado são os mesmos (negros) que continuam a sofrer com ela, ou seja, os conceitos de legalidade,ilegalidade e o sistema de justiça não podem ser a nossa luta final, pois esses conceitos e o sistema de justiça são ferramentas de manutenção de privilégios de frações de classe dentro do sistema capitalista. Nossa luta final é para por fim a todas instituições e a esse Estado.
Marcos legais como o artigo 5º da Constituição Brasileira (1988) punem a tortura, e se somam aos documentos e pactos internacionais que o Brasil foi se tornando signatário relativos aos chamados direitos civis e os específicos à tortura, no âmbito do sistema ONU (Organização das Nações Unidas) e OEA (Organização dos Estados Americanos).
Mas nada disso e toda essa legalidade é capaz de deter o Estado Brasileiro e sua política de tortura. Semanalmente temos corpos mutilados e deixados em praças públicas e ruas da Baixada Fluminense pelas milícias e forças policiais como uma didática, que chamo da didática do exemplo e do controle, com a mensagem subliminar: se não andas correto ou não quer ser um cidadão do bem, isso poderá acontecer com você. E todo esse processo acontece pela ação e por vezes pela omissão do Estado.
Apenas entre 2010 à 2020 foram
assassinadas 16 mil pessoas na Baixada
Fluminense. Em 2020, a região registra 32%
dos casos de autos de resistência de todo o
Estado do Rio de Janeiro, 30% dos casos de
feminicídios, 23% das ossadas encontradas
estão na região e 30% das pessoas que
desaparecem no Estado do Rio de Janeiro,
desaparecem na Baixada.
Dentre os 4 municípios com maior número
de pessoas desaparecidas, são eles: Nova
Iguaçu, Duque de Caxias, São João de Meriti
e Belford Roxo. Destacamos que Caxias e
Belford Roxo são áreas que mais sofreram
operações policiais e Nova Iguaçu e São João
são áreas de domínio consolidado das
milícias.
Alguns historiadores de forma equivocada tentaram datar a política de tortura a partir das épocas: do Varguismo e da ditadura civil militar, mas os corpos negros, indígenas e todos outros que ousam lutar contra esse Estado são corpos que desmentem essa análise, pois a tortura sempre fez parte da constituição do Estado Brasileiro.
Termino afirmando que na atualidade os corpos das mulheres negras que perderam seus filhos pela tortura e todas as outras técnicas de produção de morte perpetrada pelo aparato estatal são os corpos da memória, pois não deixam um dia sequer de garantir a memória dos nossos que se foram, mas a memória da afirmação que o Estado Brasileiro é o maior torturador e máquina de violar direitos, por isso o caminhar pela Abolição das polícias e das prisões é um projeto político a se consolidar no cotidiano da população negra e periférica que já vivenciaram a legalidade e a ilegalidade da tortura, e em ambas continuamos a ser executados, assassinados e a sofrer tortura.