
Por Giselle Florentino e Fransérgio Goulart
Em pleno cenário de crise sanitária mundial, já são 1.810.360 mortes em todo o mundo, os detentores da riqueza seguem em busca da manutenção da lucratividade, da garantia da continuidade do processo de acumulação e da expropriação massiva da classe trabalhadora.
Ao redor de todo o mundo, os empresários fazem pressão para que as atividades produtivas mantenham-se em funcionamento e com os comércios e serviços abertos utilizando frágeis protocolos de segurança sanitária. Tudo isso em nome da manutenção do lucro e ignorando a responsabilidade coletiva do aumento dos casos de contágio e morte por Covid-19. Os proprietários dos meios de produção apenas preocupam-se com a garantia do fluxo de consumo e nas novas formas de exploração do trabalho em um momento de crise do capital e pandemia mundial. Nada diferente do que a luta de classes sempre mostrou ao longo da história.
E mesmo assim, a mídia hegemônica ainda insiste na narrativa do Novo Normal?
A história se repete, a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. (Karl Marx)
A doutrina liberal foi vitoriosa na concepção de apresentar o sistema capitalista como o auge do progresso civilizatório da humanidade. Em que os próprios oprimidos pelo capital acreditam que não há possibilidade de um sistema econômico melhor do que o próprio capitalismo. A centralidade do mercado em todas as esferas da vida social proporcionou o discurso da necessidade de acumulação econômica acima de todas as outras necessidades humanas, inclusive o de manutenção da vida mesmo durante uma das maiores crises sanitárias do século. Uma ordem social pautada na incessante apropriação do excedente, jamais abriria mão dos seus lucros para a preservação da vida humana. E isso não é uma novidade, certo?
As políticas sociais são utilizadas como instrumentos para garantir o aumento da lucratividade dos mercados financeiros e reafirmando o papel dos gastos públicos como uma das principais alavancas da acumulação de capital e retirando a característica das da proteção social e a defesa direitos sociais históricos, somado ao incentivo da responsabilidade da oferta de serviços públicos para a esfera privada através de concessões e parcerias público-privadas.

O Estado passa para a iniciativa privada a função de fornecer direitos sociais básicos. Em que fica na esfera do capital, principalmente do circuito financeiro, o acesso a políticas sociais. Há alguns casos emblemáticos de Privatização das Políticas Sociais, o incentivo ao ProUni ao invés do fortalecimento da Universidade Pública, gratuita e de qualidade. O caso dos Planos de Saúde e o processo de sucateamento do SUS, bem como, a concessão para grandes cartéis a responsabilidade de fornecer o Transporte Urbano.
O processo de monetarização das políticas sociais implementados por governos neoliberais que proporcionou a transformação de direitos sociais – previamente adquiridos através de intensas lutas sociais da classe trabalhadora, em mercadorias. E assim, gerando novos espaços de reprodução da acumulação de capital e a substituição do acesso a serviços universais garantidos pela Constituição em serviços privados sob a égide do capital financeiro.
Agora em sua face mais brutal durante uma crise sanitária que diz muito sobre a dificuldade do governo em prover proteção social para a população. Haja vista, que o sucateamento do arcabouço das políticas sociais também intensifica-se durante o Governo Bolsonaro e a ofensiva conservadora ultraneoliberal.
Mesmo durante a pandemia de Covid-19, vivenciamos a completa ausência de proteção social e defesa dos direitos da classe trabalhadora e indo na direção contrária da política econômica implementada no restante do mundo para o enfrentamento ao Covid-19.
O [Novo] Velho Normal
Não confunda a reação do oprimido com a violência do opressor. (Malcom X)
O Novo Normal tão propagado pela mídia hegemônica está bem longe da realidade da classe trabalhadora brasileira, bem distante das moradoras e moradores de favelas e periferias e principalmente do povo negro. O ano já inicia com um cenário cruel e desafiador para aqueles que não possuem direito ao isolamento social, sem garantia de proteção social, nem acesso à água e à habitação decentes: nada novo, por sinal.
Em plena crise econômica, política e sanitária a população ainda será submetida a um cínico reajuste do salário mínimo, o corte do auxílio emergencial para a população, falta de água, a diminuição nos gastos sociais, o constante aumento nos preços dos alimentos e sem qualquer previsão de data para o período de vacinação.
O salário mínimo passará de R$1.045 para R$1.100, uma correção que apenas repõe a inflação e não traz nenhum aumento real para os assalariados e beneficiários do INSS, sem qualquer aumento no poder de compra. Por outro lado, o custo de vida segue aumentando levando ainda mais massas de trabalhadores à miséria.
Temos um aumento de 40% no preço da carne nos últimos 12 meses, segundo a FGV. O preço da tarifa de trem da SuperVia vai subir de R$ 4,70 para R$ 5,90, um aumento de 25,5%. Já o bilhete cobrado pela concessionária Barcas S/A vai de R$ 6,50 para R$ 6,90 em fevereiro.
Ao mesmo tempo em que a taxa de desemprego no Rio de Janeiro chegou a 19,1% , acima da média nacional de 14,6%, sendo a 5º taxa de desemprego mais alta do Brasil, conforme a PNAD/IBGE. Porém, 34% destes postos de empregos no mercado informal de trabalho, pessoas que não chegam a receber 1 salário mínimo completo.
A maior parcela dos empregos precários são ocupadas por mulheres negras, ocupações no geral sem vínculo formal de trabalho, com jornadas de trabalho mais extensas, alta rotatividade e submetidas a vulnerabilidade aos acidentes de trabalho. E em relação ao mercado formal de trabalho, trabalhadores com carteira assinada chegam a receber mais que o dobro em relação salário das trabalhadoras domésticas.
O Novo Normal é o aumento da pobreza, da expansão das desigualdades raciais, o crescimento da fome, o aumento do desemprego e o alto custo de vida que coloca famílias em situação de rua. O Novo Normal é mais uma crise estrutural do capital, que para produzir riqueza precisa gerar miséria e sofrimento para a classe trabalhadora, um rastro de destruição, dor e desalento.
Insubmissão e Resistência: a luta contínua.
Se não há justiça para o povo, que não haja paz para o governo. (Emiliano Zapata)
Ao longo da história da classe trabalhadora podemos identificar que as crises podem gerar insurreições. Mesmo em um cenário tão difícil de 2020, a população brasileira não organizou saques em grandes empreendimentos alimentícios e nem reivindicou do Estado a obrigação de prover a proteção social dada à pandemia de Covid-19 que ainda nos assola, como ocorreu na Argentina e no Chile, por exemplo.
A população brasileira ainda acredita na possibilidade de diálogo nos espaços institucionais da democracia representativa burguesa. E pior, ainda têm fé que nesses espaços sairão respostas para os problemas da realidade concreta. Ao mesmo tempo, é essa institucionalidade que historicamente nos mata, de fome ou de tiro.

A barbárie não é o saque, o protesto ou a insubmissão. A barbárie é essa escolha política do Estado na produção da morte cotidiana.
Como você trabalhador/a pode defender o Estado e as classes que te matam e controlam?
Parece um pesadelo o que temos vividos, até quando vamos resistir fomentando ações de solidariedade entre os nossos, quem em boa parte apenas resolve a questão imediata e não a de construção de autonomia e insurreições?
E como já dizia Betinho: “quem tem fome, tem pressa”. Mas, estamos conseguindo fomentar que nossa luta coletiva e que não será esse Estado que nos mata, o principal ator que nos ajudará?
Ou estaríamos fomentando uma falsa narrativa de possibilidade de inclusão nesse sistema, de uma ideia errônea de ascensão social, da chance de uma vida plena do nosso povo dentro da lógica do capital?
E, nós, favelados, negros, indígenas ainda acreditamos que temos chances de sermos incluídos nessa sociedade capitalista? Quem mais morre de Covid-19, de fome, de tiro? Somos nós. Quem é que faz isso conosco? Esse Estado e as frações de classes hegemônicas do capitalismo mundial.
Logo, ou construímos um verdadeiro projeto político de fim desse capitalismo estruturado no racismo, no patriarcado e na colonização, ou continuaremos acenando e batendo palmas para quando um dos nossos e nossas vira um exemplo da meritocracia. Lembremos que para cada história de “sucesso econômico”, o capital executou e colocou na miséria milhares dos nossos/as.
E pra nunca esquecer: podemos construir espaços com outras sociabilidades para além do marco do capital fora de uma lógica punitivista. Venceremos!
A próxima missão do capitalismo: se livrar de ao menos metade da população do planeta. O que a pandemia tem feito é um ensaio sobre a morte. É um programa do necrocapitalismo. A desigualdade deixa fora da proteção social 70% da população do planeta. E, no futuro, não precisará dela sequer como força de trabalho. Quem promete um mundo de pleno emprego é cínico ou doido. Não existe nenhuma possibilidade material de as coisas voltarem a funcionar assim. (Ailton Krenak)