
Por: Equipe IDMJR
Até um certo tempo atrás, constantemente ressaltamos o caráter da judicialização da política como um fenômeno mundial das disputas internas das diferentes frações de classe que compõem o bloco do poder do Estado. E nessa mesma tendência de atualização dos ‘fazeres políticos’ em uma realidade social em franca alteração e devido às novas determinações e transformações das lógicas de acumulação e produção de morte do sistema capitalista nos deparamos com a retomada do processo de militarização da política.
Para exemplificarmos, no último pleito para o Congresso Federal, o número de policiais e militares eleitos para o legislativo pulou de 18 para 73 em relação às eleições de 2014, segundo levantamento feito pela IDMJR com base nos dados do TSE. Verificamos que quadruplicou o número de [ex] e servidores da segurança pública eleitos para assumir cargos nas Casas Legislativa. Nas declarações de candidaturas temos desde bombeiro militar, policial civil, policial militar, militar reformado e membro das forças armadas.

No caso do Rio de Janeiro, ocorreu um aumento de 85% na composição de deputados estaduais oriundos dos setores militares. Temos uma forte e numerosa bancada da bala na ALERJ que busca cotidianamente criar proposições legislativas que militarizam a criminalizam todas as esferas da sociedade fluminense.
Mas se na atual fase do capitalismo financeirizado o processo de militarização da política se apresenta com uma aparência de novidade, a história evidencia este equívoco. Afinal, podemos afirmar esse processo a partir tanto de Max Weber como Gramsci e tantos outros teóricos, que já faziam reflexões do uso da coerção, da força pelo Estado a partir das estruturas militarizadas na política. Weber dizia: que “somente se pode, afinal, definir sociologicamente o Estado moderno por um meio específico que lhe é próprio como também a toda associação política: o da coação física”.
E continua: “o Estado é aquela comunidade humana que, dentro de determinado território (…), reclama para si (com êxito) o monopólio da coação física legítima (…)”. E para efeitos de sínteses, lembremos a célebre frase de Carl von Clausewitz: “A guerra é a continuação da política por outros meios“. Já Gramsci sem se descuidar do elemento da coerção, indispensável em qualquer forma de domínio, o autor ressalta a importância do consenso.
Tratando do Estado moderno e das relações políticas no capitalismo, ressalta-se que o domínio é exercido através dessas duas estratégias (ou meios) de coerção e consenso, numa relação dialética entre hegemonia e ditadura.
Feito esse preâmbulo, o que de fato temos hoje de novo é que essa captura do poder, essa construção do consenso e da coerção passa pela direita, mas também é utilizada pela esquerda.
A Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial ressalta que a “política da militarização” é uma das formas que o uso da violência assume nas relações de domínio e cuja intensidade varia segundo as circunstâncias, ou seja, hoje o Estado tem utilizado a hegemonia – categoria construída por Gramsci, a partir do consenso saindo da política da militarização para a militarização da política.
A ditadura não é mais a mesma, agora temos esta forma de governo com uma roupagem de democracia legitimada pelo processo eleitoral.
Fazendo uma rápida e breve cronologia da militarização da política de 2013 até os dias de hoje, esse processo vem se consolidando tanto pela direita, mas pela esquerda também. O que foi a política das Unidades de Polícia Pacificadora tão badalada e defendida por parte da esquerda e grupos de pesquisadores e a Lei antiterrorismo, a intervenção militar, do que nada mais que processos que fortaleceram a entrada de militares nos cursos universitários das áreas sociais e do direito, da ocupação de espaços antes muito pouco ocupados como legislativos e cargos no executivo, se não a militarização da política.
Pessoas e organizações como a nossa que questionam essa militarização da política é criminalizada tanto pela direita, como esquerda e ainda nos colocam a pecha do sectarismo.
Com a eleição da chapa Bolsonaro/Mourão essa militarização da política ganhou mais força. No governo Bolsonaro vemos militares ocupando cargos de ministros, comandando estatais e definindo toda a orientação política do Estado. Essa militarização também se consolida com candidaturas militares no campo da esquerda e consolida a adesão da esquerda à tese das “reformas” das Polícia – que lembremos são legados autoritários da ditadura militar. Hoje tanto a direita, como a esquerda precisa de um policial para chamar de seu ou sua, mas a questão não passa pelas pessoas e sim pela instituição polícia.

Em um recente estudo do Instituto de Pesquisa Avançada em Toulouse, na França, Lucas Novaes, o cientista político brasileiro cria a interface da relação de eleição de policiais no legislativo municipal com o aumento de homicídios¹.
Além disso, conforme um levantamento feito pelo portal G1, as eleições municipais de 2020 apresentam o maior número de candidatos militares em 16 anos. Com 6,7 mil buscando vagas nas câmaras ou prefeituras. São 3.575 policiais militares, 1.735 militares reformados, 919 policiais civis, 344 originários das Forças Armadas e 182 bombeiros.
Nós, da IDMJR, ratificamos os resultados dessa pesquisa ao falarmos especificamente da Baixada Fluminense e suas casas legislativas que estão altamente militarizadas. Sendo ocupadas por policiais e milicianos e por conseguinte levando ao aumento de homicídios e desaparecimentos forçados em toda a região
A polícia tem uma função social² bastante específica ser o braço armado e repressivo do Estado que atua para a manutenção da ordem burguesa e a proteção do caráter inviolável da propriedade privada, ou seja, a polícia está a serviço da dominação capitalista e historicamente utiliza a violência como instrumento repressivo e de coerção contra os trabalhadores/as, contra a juventude, contra os movimentos sociais e sobretudo contra contra a população negra.
Como pessoas ligadas a essa instituição podem vir candidatas e não entendermos que isso trata-se da militarização da política? A militarização como já descrito anteriormente pode ser feito pela coação/força e /ou construção do consenso , e o que estamos vendo na política é que se construiu um consenso onde militares precisam estar inseridos na política civil.
Claro que a esquerda e direita diferem de programas propostos, mas aqui o que desejamos é reforçar que independente dos programas, a política segue sendo fortalecida pela militarização. A dita esquerda erra a entender que discutir política de segurança pública precisa ser feita por quadros da instituição polícia, isso só eleva e dar força ao projeto do capital e da direita de ampliação da militarização.
Nos levantes antirracistas nos EUA, o grito hegemônico é sobre o fim da polícia. Logo, a esquerda comprometida com as lutas da classe trabalhadora gritaria e lutaria por isso em qualquer parte do mundo. Pois, se você se diz antirracista não há possibilidade de defender protocolos de segurança, treinamentos ou qualquer tipo de reforma em uma instituição que tem no seu papel histórico promover o genocídio da população negras e povos originários.
Conclamamos as mulheres e homens negros, favelados/as que optaram pela via institucional que construam seus programas de incidência político baseado na defesa do fim da polícia, como parte primordial para estabelecer o fim do racismo.
² https://dmjracial.com/2020/05/01/policial-e-classe-trabalhadora/