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Por Fransérgio Goulart

Durante um mês a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial conversou e realizou uma série jornalística com um dos maiores especialistas no tema sobre Branquitude no Brasil, o Professor e Doutor Lourenço Cardoso.

Hoje, encerramos a série de entrevistas com o último episódio da coletânea falando sobre Assassinato de George Floyd, luta antirracista e o papel da Branquitude.

Lourenço Cardoso: O brutal assassinato do George Floyd aparentemente gerou comoção aos brancos de esquerda e de direita no Brasil. Eu faço menção e crítica ao branco de esquerda a partir do meu lugar de negro de esquerda. Obviamente que não perderei tempo em criticar ao branco de direita. Se existe alguma esperança?  No que diz respeito a luta por justiça o caminho se encontra à esquerda. Ainda hoje. Diante de tamanha brutalidade que ocorreu nos Estados Unidos, os brancos, todos eles, parecem que se emocionaram com o assassinato do jovem George Floyd. Ficaram tocados com o que disse sua filha, agora órfã, “meu pai mudou o mundo”. Os brancos se colocaram, disseram, somos antirracistas! Não durou muito.  Logo, disseram somos antifascistas. Fizeram isso para se diferenciarem e se posicionarem acima dos negros. Como se na prática negra antirracista solitária (sem apoio dos outros grupos sociais na maior parte do tempo-histórico) não estivesse contida a ideia e a prática antifascista. 

Verdadeiramente, por causa da repercussão mundial do assassinato de George Floyd, os brancos brasileiros, assim como os brancos estadunidenses se uniram aos negros e as negras e protestaram contra o racismo. Isto durou alguns dias. Porém, parece que os brancos se cansaram. Os brancos se cansaram rapidamente, a prática antirracista não durou muito. Se cansaram de ser antirracista e resolverem persistir na prática racista. Tanto o branco de direita quanto o branco de esquerda direcionaram sua violência racial (leia-se prática racista) contra Carlos Alberto Decotelli da Silva, uma pessoa negra que foi indicada para o cargo de Ministro da Educação. Os brancos de esquerda e de direita praticaram o racismo estrutural, o racismo institucional. No ato de linchamento não havia distinção entre o branco de direita e branco de esquerda. Quanto aos negros de esquerda e de direita que acompanharam a gritaria? Eles contribuíram para autodepreciação, enquanto indivíduo e grupo, exerceram uma posição que se resume no verso de Mano Brown: “pra ver branquinho aplaudir”! 

Questão. Com os ministros brancos praticam o mesmo ato de humilhação? Por que será que isto acontece? O ex-ministro da Justiça branco é acusado de plágio culpa uma mulher branca co-autora e fica tudo bem. A notícia ocorre no mesmo período. A prática de racismo institucional (mídia) e estrutural (Brasil) atinge o negro de direita e o negro de esquerda. Jamais votaria neste governo de direita e/ou ultradireita por motivo óbvio. Igualmente não apoio nenhum dos seus ministros ou “indicados” a função. Porém, tanta violência direcionada contra o Ministro da Educação indicado, somente contra ele, diz o seguinte: O branco de esquerda e o branco direita não querem uma Presidente da República negra. Não querem um Presidente da República negro. Não querem um Ministro da Educação negro ou Ministra da Educação negra. No máximo, consideram razoável que o negro ou a negra ocupem somente os espaços que são as secretarias e os conselhos de promoção da igualdade racial. Somente esses territórios que foram criados primeiro no governo estadual de São Paulo, administração Franco Montoro, depois na Presidência da República no governo José Sarney. 

A questão não se reduz a Carlos Alberto Decotelli da Silva. Estamos tratando de uma prática do racismo estrutural e institucional no Brasil. Não podemos nos calar diante de tamanha manifestação racista praticada pelos brancos de esquerda. Eles que há pouco dias diziam se importar com os negros e as negras. Contudo, com o passar dos dias ficou evidente que isto não ocorreu. Não aconteceu em regra e sim como exceção. Ao fazer uso da ironia diria que: não se trata de brancos de esquerda antirracistas, de brancos de esquerda antifascistas. Na realidade são brancos de “esquerda antirracistas racistas”, “brancos de esquerda antifascistas racistas”. A realidade social apresentou-se na forma de escárnio. 

O COMPLEXO DE VIRA-LATA

Além de tudo que mencionei, a repercussão do assassinato de George Floyd evidencia o complexo de vira-lata do branco brasileiro. Os brancos brasileiros em relação as práticas raciais que ocorrem nos Estados Unidos procuraram imitá-los. O branco estadunidense faz. O branco brasileiro copia. Nisso muitos se aliaram aos negros na luta contra o racismo. Nesta imitação alguns brancos “famosos” emprestaram suas redes sociais para os amigos negros “menos famosos”. A imitação é uma demonstração de “complexo de vira-lata”, de mente “colonizada”.  Isso já apontava o intelectual Guerreiro Ramos. Na verdade, parece que eles não se importam com o assassinato do negro e da negra que vivem nas comunidades pobres brasileiras. Não temos notícias que haviam se incomodado antes. A sua ação consistiu em apenas copiar os brancos estadunidenses, seguir a onda do modismo antirracista mundial. 

O que ocorreu diz respeito aos brancos de todas as classes. No entanto, quem mais atuou foi o branco da classe média. É possível levantar um aspecto “positivo” nesse fenômeno de imitação. O branco de tanto copiar, pode aprender e realmente absorver o problema racial como uma questão igualmente sua, uma questão nacional. Enquanto exceção isso já ocorre. Há alguns brancos que pensam desse modo. Porém para maioria dos brancos e brancas não passam de palavras jogadas ao vento. 

 O PAPEL DOS BRANCOS 

Qual o papel dos brancos? O branco decide por si mesmo o que fará. De repente, faria a sugestão de lerem a epistemologia negra, conhecerem as inúmeras práticas que são realizadas pelos movimentos sociais negro, o feminismo negro. Para nós, negros, brancos e todos os outros não nos esqueçamos que este mundo é horrível. As reformas nos levam apenas a torná-lo no máximo “bonitinho”. Vamos voltar a discutir o conceito, a ideia de revolução. Como poderíamos pensá-la nos dias de hoje? É um tema para o debate contemporâneo. A perspectiva de “Fim da História”, isto é, a ideia de que não haveria possibilidade de pensarmos e construirmos uma nova sociedade, em escala local e global. Não satisfaz aos pobres, sobretudo, as negras e os negros de todas as partes do mundo, porque morremos todos os dias por sermos quem somos.  

Por fim, diria que, o branco sabe o que fazer. E que não fazer. E se quiser procurar conteúdo para se aperfeiçoar encontrará muitos materiais. O branco não necessariamente precisa perguntar ao negro e a negra para fazer o que já devia ter feito. Não precisa perguntar para praticar uma ação ética, moral, legal e humana. Ao perguntar ao negro e a negra, o branco deixa de lado a sua responsabilidade. A responsabilidade é jogada ao negro e a negra pelos erros e acertos que o branco praticará nesse seu objetivo. Além disso, errar é humano e pedagógico. Neste aspecto, a ideia filosófica de “boa vontade” deve ser considerada. Errou, foi humano, mais teve “boa-vontade” e isto não foi uma atitude hipócrita.  Portanto, reitero, o branco e a branca sabem o que fazer, igualmente conhece onde procurar para se aprofundarem, a branquitude possui responsabilidade. 


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