
Por: Fransérgio Goulart
Neste segundo episódio da coletânea de nossa série jornalística com um dos maiores especialistas no tema sobre Branquitude no Brasil, o Professor e Doutor Lourenço Cardoso, vamos falar sobre a Branquitude e Segurança Pública.
Lourenço Cardoso dialoga sobre Branquitude e Segurança Pública a partir da seguinte afirmação da IDMJR : “A academia branca na maioria das suas produções e discussões sobre segurança pública criou quase um mantra ao afirmar que o maior problema da segurança pública é a questão de gestão.”

Lourenço Cardoso: A Segurança Pública no Brasil e nos Estados Unidos e em grande parte do mundo é a resposta do Estado para desestimular as reivindicações dos pobres. Reinvindicações por maior equilíbrio social, reinvindicações para diminuir a desigualdade social. Contra atos de protestos legítimos. Protestos que serão julgados pelo juiz que vai declarar se a greve (mesmo sendo direito) é legal ou ilegal. Ou se começou legal, passou dos limites e se tornou ilegal. O juiz possui a tendência de aplicar multas, pode ser que ordene também as prisões. Todavia, a multa, o dinheiro como uma punição é algo recorrente. Supostamente, o Estado arrecadará com isto.
Se o Estado ganha? Todos ganhamos. Em tese. O Estado é uma abstração que possui uma atuação concreta nas nossas vidas. Diz respeito a administração pública e a arte da política. O objetivo principal? Seria proporcionar, mediar, articular, impor o ordenamento da convivência social, proporcionar o melhor viver na medida do possível.
O Estado proporciona Segurança. É a sua função/obrigação fundamental. O Estado surgiu com o objetivo de nos proporcionar Segurança na concepção contratualista. Portanto, o Estado deve garantir a Segurança ao povo. Na concepção de Max Weber o Estado é a única instituição que possui o monopólio do uso legítimo da força. Quando se trata de uso da força os policiais são frequentemente utilizados. Diante disso fica a questão, o que fazem é legitimo? O Estado tem feito “uso legítimo da força” na sua abordagem aos negros? E as negras? Que força é esta utilizada?
Em teoria a força é utilizada quando necessária. O propósito de tal ação seria promover ou reestabelecer a “ordem”, isto é, acabar com o “caos”. Ao fazer isso o Estado proporciona Segurança à população ao mesmo tempo em que gera sensação de Segurança. Isso em teoria, cabe salientar. A sensação e a própria Segurança podem estimular o fortalecimento da saúde física e mental das pessoas.
Michel Foucault nos coloca que o Estado moderno deve proporcionar a garantia de vida, nos garantir que vivamos mais e com maior qualidade. A fabricação de vacinas, as melhorias nas condições de saúde, educação, cultura, alimentação, moradia, transporte, infraestrutura possuem tal desígnio. Todavia, as melhorias de condições de vida são dirigidas mais para as classes médias e altas do que a classe baixa. Mesmo que isto seja um equívoco, ou melhor, estupidez econômica, se nos restringirmos somente a esse aspecto.
Garantir que as pessoas vivam mais, é justamente que o Governo Federal está deixando de fazer no caso da pandemia da covid-19. A ação e omissão da Administração pública na pandemia é uma ilustração concreta de prática do Estado de descaso com a política pública da vida. Desse modo deixa de cumprir a sua obrigação fundamental. Deixa de exercer a principal motivação para que fosse concretizado o contrato social. Achille Mbembe nos coloca que o Estado pratica a política da morte, nomeia tal fenômeno como necropolítica. Se o Estado pratica política pública da vida? Ele igualmente pratica a política pública da morte. A política da morte está direcionada aos homens negros como alvos preferenciais. As mulheres negras também são atingidas. Além de terem que enfrentar o feminicídio. Logo, a mulher negra pode escapar de morrer na rua, contudo, ao chegar em casa pode encontrar o seu fim na mão do parceiro afetivo seja ele branco ou negro.
A necropolítica é a prática política do Estado de matar (ao utilizar principalmente as forças policiais) e/ou deixar morrer (falta de acesso a saúde, emprego, saneamento básico, etc.). Quanto a exemplos de necropolítica no Brasil? Temos muitos. Inúmeras histórias trágicas. Acontecimentos recentes. Assassinatos violentíssimo cometidos por policiais contra meninas negras, meninos negros, jovens negras e jovens negros, adultos negras e adultos negros. O conceito do Achille Mbembe “pegou”, tornou-se muito popular por aqui. No entanto, já conhecemos tal fenômeno há muito tempo. Ele sempre foi observado, denunciado, problematizado pela academia, movimentos sociais, artistas, advogados, professores, estudantes, etc.
Diante de tudo isso, o que importa reter é o seguinte: Quando se trata do Estado garantir Segurança? Na verdade, proporciona INSEGURANÇA. Para os não-brancos o Estado garante a Insegurança. Para o negro a pasta da área é a Secretaria Estadual da Insegurança Pública. A vida dos negros e das negras, especialmente da classe baixa, significa uma insegurança total. A razão para isto não se trata de omissão do Estado, hipótese debatida há anos. Trata-se de política de morte. Não se trata de um episódio acidental. Trata-se de uma política pública do Estado praticada há anos.
O Movimento Negro Unificado denunciou o extermínio do negro em 1978, Abdias Nascimento abordou o assunto no livro “Genocídio do negro brasileiro”, Ana Flauzina tratou do tema no mestrado intitulado, “Corpo negro caído no chão”. Os Racionais MC’S falaram disso em muitas músicas, vou citar duas “O Homem na Estrada” e “Capítulo 4 Versículo 3”. Obras primas. Em suma, para o negro trata-se de Insegurança Púbica, para o negro, “polícia a morte, polícia socorro”. Como denunciou Mano Brown.
Nessa discussão demagógica a respeito de administrar com maior eficiência a Segurança. Melhorar a gestão na Segurança. Isto é, prender com maior qualidade ao fazer uso de dados técnicos-científicos. Qual o resultado que se pretende com isso? Podemos supor com muita facilidade porque é óbvio, o propósito é a efetivação da política pública da morte com o menor custo. A política de morte matada realizada pelos polícias, e a política de morte em vida, isto é, o encarceramento deve aumentar, todavia, ao fazer uso de menor número de recursos.
Em outras palavras, o objetivo é o seguinte: mata-se o negro, prende-o utilizando menor número de balas. Quanto aos brancos? Eles não são o público-alvo da política pública da morte. Todavia, muito brancos pobres igualmente morrem. E por falar em pobres? Vale relembrar, os policiais igualmente morrem, em número muito menor do que matam. Mesmo assim, o policial é o outro pobre que morre nesse conflito entre o pobre e o pobre. Por fim, a Segurança Pública para os políticos, de maneira geral, é um tema de discurso demagógico. Eles utilizarão a narrativa que convém para serem eleitos. No momento a tendência forte é de desconsiderar a desigualdade social como um dos fatores que motiva diversas formas de violências, sendo a desigualdade social também uma forma de violência. Portanto, o que será dito pelo político será mais a respeito de práticas opressivas e a necessidade de maior eficiência na sua utilização. Por isto sempre escutamos o slogan: “na Segurança o problema é de gestão”.