
Por: Rayssa Pereira
Marcelle Decothé, mulher negra periférica, jovem Mestre em Políticas Públicas em Direitos Humanos pela UFRJ e Doutoranda em Sociologia pela PPGS/UFF, militante dos Direitos Humanos, integrante do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro e do Movimento Favelas Na Luta e atualmente coordena a área de Incidência do Instituto Marielle Franco. Nesta entrevista conversamos sobre a questão da organização e dos processos de mobilizações nos territórios que antecedem os passos das Mulheres Negras diante da Luta Conta a Violência do Estado, Marcelle pontua a autoafirmação do reconhecimento e protagonismo dessas mulheres e a importância da perspectiva de futuro.

IDMJR: Como você iniciou sua luta contra a violência de Estado? Teve um motivo específico que foi marcante?
Marcelle: Acredito que o fato de conviver cotidianamente com as desigualdades sociais e raciais presentes em meu território, e consequentemente, com seu impacto direto através da violência institucional e, especificamente, o braço armado do estado, da limitação do direito à cidade, do direito à vida, de ter futuro, foram situações que iniciaram meu ímpeto em lutar contra tudo essa estrutura.
IDMJR: Mulheres negras são centrais na produção da luta cotidiana contra a violência de Estado, mobilizando os territórios e fazendo a denúncia e acompanhando as vítimas. Como você analisa a ação histórica das mulheres negras, marcos simbólicos, ganhos, perdas e nesse momento os muitos retrocessos?
Marcelle: As mulheres negras são a vanguarda da luta por direitos e contra as estruturas racistas do Brasil, precisamos aprender muito ainda sobre as formas de organização e o conhecimento gerado por estes corpos. Neste momento, onde o projeto de morte do estado avança sendo atualizado pela sofisticação dos modos de produção capitalista, são as mulheres negras que apontam as pistas que os movimentos e a sociedade civil organizada do Brasil precisam enxergar. E essa resistência é histórica, presente nas mais velhas e sendo atualizada pelo enfrentamento das mais novas as permanentes políticas da morte do estado.
IDMJR: O assassinato de mulheres negras aumentou de forma absurda e na baixada fluminense as áreas dominadas por milícia também cresce tornando alguns casos de feminicídio diretamente ligados esses grupos. No boletim de feminicídio e segurança pública identificamos essas novas realidades que se estruturam no racismo histórico e no capitalismo sendo reinventado. Como você vê essas estruturas se formando atualmente e como elas impactam na luta dentro dos territórios?
Marcelle: Impactam diretamente a forma de organização dessas mulheres que lideram muitas vezes os processos de mobilização social nos territórios e dentro de suas casas, o impacto das dinâmicas dos grupos de extermínio e milícias na vida de mulheres da Baixada se dá de forma direta (representada nos boletins de feminicídios), mas também de forma subjetiva, forjando estes corpos a se tornarem reféns das lógicas de controle e dominação do estado. Por isso, a interseccionalidade entre raça, gênero e território (classe) deve estar diretamente conectada as nossas análises sobre a vida das mulheres que (sobre)vivem nessa região.
“As mulheres negras são a vanguarda da luta por direitos e contra as estruturas racistas do Brasil, precisamos aprender muito ainda sobre as formas de organização e o conhecimento gerado por estes corpos”.
Marcelle Decothé
IDMJR: Pensamos a Justiça Racial como processos de enfrentamento às desigualdades raciais, e essa justiça tem sido efetivada pelos movimentos sociais. O que significa Justiça Racial e como ela é percebida na prática da ação de luta para você?
Marcelle: Eu enxergo a justiça racial enquanto a efetividade dos processos de reparação histórica que o estado brasileiro deve as populações negras e indígenas do Brasil. A percepção se dá, talvez, pela centralidade da agenda de lutas dos movimentos organizados que lideram os processos de resistência as violências institucionais presentes nas periferias e favelas do país. A forma como esses movimentos atuam, o projeto de luta centrado na destruição das dinÂmicas de opressão, são práticas conectadas a lógica de justiça racial.
IDMJR: O que você vislumbra como projeto político de Segurança Pública? E na sua opnião quais são as dificuldades para a prática do mesmo?
Marcelle: O projeto político pautado na destruição deste modelo que lemos enquanto “segurança”, uma política pautada menos no controle e extermínio das populações, e mais na promoção de perspectiva de vida. As dificuldades estão no reconhecimento de que esta pauta nunca foi central para as populações negras, e por conta disso, está posicionada na centralidade do debate branco.
IDMJR: Um dos eixos que atuamos é a Memória, no qual buscamos promover um sentimento coletivo de reprovação a qualquer tipo de violação, em especial da Violência de Estado e do não esquecimento como forma de preservação da memória e luta pela vida. Por isso, entendemos a justiça racial como instrumento de reparação histórica. Entrando no campo da memória, o que significa o Dia da Mulher Negra Latino e Caribenha pra você?
Marcelle: A autoafirmação da importância do reconhecimento e protagonismo da luta das mulheres negras na América Latina. É reconhecendo o passado que construímos um novo futuro.
IDMJR: Qual sua mensagem para as Mulheres Negras que fazem a luta contra a violência de Estado hoje?
Marcelle: Somos o passado, o presente e o futuro!
A IDMJR se coloca na luta por preservação da memória do povo negro e sem abdicar das novas formas de lutas socias da juventude e atuais estratégias de enfrentamento ao Estado. Nós por Nós!