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Por Fabíola Leal*

O Congresso Nacional promulgou, em 4 de dezembro de 2019, a Emenda Constitucional 104/2019, que inclui a polícia penitenciária no artigo 144 da Constituição, artigo esse que trata sobre os órgãos de segurança pública. A nova polícia terá como principais atribuições a segurança dos estabelecimentos penais e escola de presos. A corporação será vinculada ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencer.

A proposta foi apresentada em 2016 pelo então senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB). Por se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição, o texto aprovado não precisou ser sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro. Os deputados haviam aprovado a PEC por 402 votos a 8 na primeira discussão no dia 9 de novembro de 2019. Em 20 de Novembro de 2019 ocorreu a votação em segundo turno e foi aprovada  por 385 votos a 16 votos. O Partido Novo foi o único partido contrário à proposta, em ambas as votações.

Houve divergência entre os partidos de esquerda com representação no Congresso quanto ao mérito da proposta. A Liderança da Bancada Federal do PSOL na Câmara liberou os Deputados, e a Bancada do PT orientou o voto sim. 

Mas o que de fato muda com a nova categorização dos agentes penitenciários trazida por essa Emenda a Constituição Federal? O sistema penitenciário não era considerado como força de segurança pública pelo fato de se dedicar essencialmente à prevenção e apuração de ilícitos disciplinares, e não penais, cometidos por pessoas privadas de liberdade, no interior dos estabelecimentos penais, atuando como garantidor das normas de execução penal (artigos 41, parágrafo único, 54 e 71 da Lei de Execuções Penais). A figura da Polícia Penal, que surge em sua substituição, mantém essa atribuição de guardiã da Lei de Execuções Penais dentro das prisões, mas agora agrega a função de manter a segurança dos estabelecimentos penais, não só interna, como também extra muros.   

Esse dever de segurança interno e externo das Unidades Prisionais, que se traduz em evitar o cometimento de crimes era antes exercida pela Polícia Militar. Com essa mudança aprovada no Congresso, essa função ostensiva deve ser exercida pela Polícia Penal, ainda que restrita aos limites da penitenciária, colônia, casa do albergado ou cadeia pública.

“Falar sobre combate à superlotação carcerária e confrontar a política de encarceramento em massa também é defender os servidores que atuam nesses espaços.”

(Fabíola Leal)

À época organizações de defesa dos direitos humanos, como a Pastoral Carcerária e Conectas se manifestaram contrárias a modificação constitucional e listaram os seguintes argumentos: 1- A melhoria das condições de trabalho dos servidores penitenciários não virá da criação de uma Polícia Penal. Tornar o servidor penitenciário em um policial não resolve a demanda por reconhecimento e valorização profissional. 2- As atribuições policiais de uma polícia penal seriam não apenas redundantes, mas, também, conflitantes às funções das polícias civil, federal e militar, podendo ensejar nulidades processuais. Uma polícia penal teria como atribuição a investigação de crimes praticados no interior de suas próprias unidades prisionais – usurpando a competência da polícia civil, por exemplo. 3- Menos transparência e controle externo dos cárceres. Por tender a atribuir funções de investigação criminal aos servidores do sistema prisional, a criação de uma Polícia Penal agravaria a natureza fechada e corporativista do sistema prisional pátrio.4- Táticas militares de repressão. O trabalho do agente penitenciário é de atividade de justiça e não de segurança pública, de acordo com o art. 1º, da LEP. Equipará-lo a atividade policial, representaria o afastamento de sua função de custódia, aproximando a atuação militarizada baseada na lógica do inimigo, o qual deve ser enfrentado e se possível eliminado.

Agora, uma Proposta de Emenda à Constituição Estadual chega à Assembleia Legislativa do Estado do rio de Janeiro, visando incluir a matéria aprovada no Congresso na Lei Maior do estado. A proposta apresentada pelo Deputado Max Lemos (MDB) que inclui a Polícia Penal na constituição Estadual chegou a ser votada e aprovada por 50 votos a 0 em primeira discussão na Casa Legislativa em no dia 18 de dezembro de 2019, foram apresentadas 5 emendas a Comissão de Emendas Constitucionais e todas foram rejeitadas, sendo a PEC aprovada em seu texto original.

Agora a proposta retorna para o 2º dia de discussão, onde o texto não poderá mais sofrer alterações, por se tratar de uma Proposta de Emenda à constituição, a proposição segue rito diferenciado dos demais Projetos de Lei, e precisa de  três quintos dos votos dos membros da Assembleia, em votação nominal para ser aprovada

A forma de gestão penitenciária que está em funcionamento em todo o país já possui natureza policialesca, o que gera exposição dos agentes, servidores e servidoras, à violência física e psíquica. A proposta de transformação da carreira de agente penitenciário em força de segurança pública expõe ainda mais esses atores ao aspecto confrontacional, em detrimento de todas as outras particularidades da função. Não se resolve a demanda por maior reconhecimento da carreira e melhores condições de trabalho com a consolidação da sua natureza como segurança pública, muito pelo contrário, essa modificação na carreira acentuará o confronto na execução do serviço penitenciário. Falar sobre combate à superlotação carcerária e confrontar a política de encarceramento em massa também é defender os servidores que atuam nesses espaços. 


*Fabíola Leal é militante, advogada, assessora parlamentar e pós-graduanda em Criminologia.

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