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Por Fransérgio Goulart e Giselle Florentino

O incentivo ao armamentismo, militarismo, conflitos cívicos e guerras sempre foram uma importante estratégia de acumulação de capital, dado o quadro grave crise econômica enfrentada pelo mundo, o comércio internacional de drogas e armas foi diretamente impactado e passa agora por uma reestruturação na produção e distribuição de drogas e armamentos.

Os decretos de isolamento social em todo o mundo por conta do rápido contágio e expansão da pandemia de Covid-19, levaram ao  fechamento de fronteiras e transportes internacionais impactando diretamente no comércio internacional de drogas e armamentos. Logo, escancarando a íntima relação entre as organizações que comandam a violência urbana e a estrutura interna dos Estados, seja através de seus falhos esquemas de fiscalização ou articulação e negociação direta com as lideranças de facções, máfias, maras e grandes organizações de comércio de armas e drogas para garantir manutenção da lucratividade e poderio do comércio dito ilegal. 

Afinal, estamos tratando de um vasto mercado de consumo e produção de psicotrópicos, segundo o Relatório Mundial sobre Drogas elaborado pela ONU, em 2018 havia cerca de 269 milhões de usuários de drogas no mundo, o equivalente a 5,4% da população adulta mundial. Uma em cada 19 pessoas no planeta, o que representa 30% a mais do que em relação ao observado em 2009. De acordo com a ONU, todo o comércio ilegal do crime organizado registrou ganhos anuais de mais de US$ 2 trilhões em 2016, sendo cerca de 3,6% do PIB mundial. Estamos tratando de uma indústria de drogas altamente estruturada, que envolve um a cada 4 adultos no mundo e consegue movimentar cerca de U$S 320 bilhões ao ano.

Segundo um levantamento da Consultoria Legislativa da Câmara de Deputados, apenas em 2016 o narcotráfico movimentou aproximadamente R$ 15,5 bilhões ao ano no Brasil. A projeção feita pelo levantamento indica que a maconha deve movimentar, anualmente, R$ 6,68 bilhões, a cocaína R$ 4,69 bilhões; o crack R$ 2,95 bilhões; e o ecstasy, R$ 1,189 bilhão em todo território nacional. 

Entretanto, o enfrentamento a violência no Brasil é fundada no racismo institucional, em que a espinha dorsal do modelo de segurança pública posto em prática no país é forjado pela escolha do próprio Estado, na construção de inimigos públicos para dar prosseguimento a aniquilação do povo negro. Uma política de segurança pública que têm como alvo a juventude negra periférica, em que a “guerra às drogas” resulta em encarceramento em massa e legitimação do extermínio dos corpos negros e quem nem de longe combate a megaestrutura da indústria das indústrias de armas e drogas. 

Afinal, o Estado hoje é um dos principais instrumentos para manutenção e garantia de impunidade para as grandes lideranças e administradoras do crime organizado, um bom exemplo da omissão do Estado foi no caso da apreensão de 450 kg de cocaína em um helicóptero da empresa do então deputado estadual por Minas Gerais, Gustavo Perrella que tinha relações diretas com o Senador Aécio Neves. 

Neste caso não houve operação da Bope invadindo as casas dos envolvidos e nem foram submetidos a revistas vexatórias e seguidas humilhações e constante assédio moral por parte do braço armado do Estado. Porém, se tal helicóptero fosse interceptado em territórios predominantemente de pretos, teríamos assistidos uma carnificina, já que é o modus operandi das polícias nas favelas e periferias. 

Portanto, não se trata de busca pela maior parcela de apreensão de drogas e armas e o tal combate a criminalidade, trata-se de genocídio do povo negro. Trata-se de racismo. Trata-se de como a polícia possui uma função social de repressão, de coerção, de controle de massas. Dado que a mesma instituição que executa um homem por asfixia nas ruas de Minneapolis é aquela que invade casas nas favelas e periferias, humilha trabalhadores dentro de suas próprias residências, realiza confrontos com armas de guerras nas ruas, que desaparece com corpos, uma instituição programada para gerar encarceramento em massa e promover o genocídio cotidiano do povo negro em qualquer parte do mundo. Por isso não podemos acreditar que é possível se reformar uma instituição como a polícia. A polícia existe para defender frações de classe de supremacia branca e com isso ampliar o poder capitalista.

Em 2019, o Brasil utilizou US$ 26,2 bilhões em gastos militares, sendo 11º país do ranking mundial que mais utiliza orçamento pública para fins militares, correspondendo a 51% do total de gastos militares em toda América Latina, de acordo com Stockholm International Peace Research Institute – SIPRI. Segundo o Ministério da Justiça (MJ), no início da década de 2010, mais da metade das armas de fogo que circulam no país é ilegal e de acordo com a Polícia Federal, a maior parte das armas apreendidas no Brasil vem do Paraguai e dos Estados Unidos.

A criminalidade só existe porque há participação direta no Estado. Dentro da lógica de acumulação de capital da sociedade capitalista a polícia vai criando seus negócios, como grupos de extermínio, segurança privada ilegal e com o projeto de Milicialização enquanto política de segurança pública, onde as milícias controlam atividades econômicas inteiras em favelas, também disputam o comércio do tráfico de drogas.

A liminar que proibe as operações policias nas favelas fruto da ADPF 635¹ durante o período de enfrentamento ao Covid-19, vai de encontro com essa estrutura de comércio de drogas e armas. O impedimento de operações policiais nas favelas impõem dificuldades à dinâmica interna do poderio das facções de tráficos e milícias, já que dificultam o pagamento do famoso “arrego” para polícia. 

“É óbvio que a tal liminar que fala do fim das Operações policiais nas favelas, deixam os vermes(polícia) incomodados, pois na Baixada não vão poder negociar arregos e o apoio a segurança das milícias.”

(Moradora da Baixada Fluminense-RJ)

Não apenas houve impacto no consumo, produção e distribuição de drogas e armamentos, como também nas relações de domínio dos territórios. Já que uma certa fração de milícia e facção de tráfico aproveitam-se da vulnerabilidade de algumas comunidades após serem submetidas a operações policiais para efetuar disputas de controle de territórios. A recorrente tática de após uma comunidade passar por longas horas de operação policial, a facção rival ou a milícia rival tentar invadir em seguida, dada a fragilidade do território devido a incursão da polícia, deixar a área propícia para  obter o controle de poder do tráfico de drogas e prestação de serviços ilegais pelo grupo de poder concorrente.  

Portanto, a liminar do STF impacta diretamente na geopolítica do poder do tráfico de armas e drogas no Rio de Janeiro e seus integrantes e aliados que estão dentro das estruturas do Estado tentam constantemente derrubar ou impedir a execução da resolução, seja através do debate de “expecionalidade” da importância de operações nos territórios ou através de um debate conceitual vazio sobre a definição do é considerado uma “operação policial”. Não se deixe enganar, a disputa é sempre por poder e lucro, seja na esfera da legalidade ou ilegalidade. 

Por isso afirmamos que o fim do racismo, só será possível com o fim do capitalismo. Por isso é contraditório ser antirracista e ao mesmo tempo defender a reforma da polícia.

E por fim, a liminar de impedimento as operações policiais durante o isolamento social além do impacto mais imediato que é a possibilidade de diminuição dos homicídios dos negros, favelados e periféricos como constata o recém lançado estudo/levantamento do Geni/UFF, trás para o centro do debate a questão estruturante da Necropolítica, o sistema capitalista e suas amarras com as frações de classes no caso do Brasil de supremacia branca.


¹ A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial integra a articulação de organizações e movimentos sociais que fazem parte da ADPF 635 que foi ajuizada em novembro de 2019 no STF pelo PSB. A ADPF 635 solicita que o Estado do Rio de Janeiro elabore e encaminhe ao STF, no prazo máximo de 90 (noventa) dias, um plano visando à redução da letalidade policial e ao controle de violações de direitos humanos pelas forças de segurança fluminenses, que contenha medidas objetivas, cronogramas específicos e previsão dos recursos necessários para a sua implementação. Nessa trajetória conseguimos, no dia 05 de junho, uma primeira vitória com a suspensão de operações policiais no contexto da pandemia do COVID-19. Vitória das Favelas & Periferias!

*Mais informações sobre a relação da polícia e das milícias e facção de tráfico.

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