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Por Fransérgio Goulart

Não é só o capitalismo que ressignifica coisas, fatos e celebrações. Considerando que o Dia das Mães, enquanto data comemorativa, surgiu na primeira década do século XX, sendo criado por Anna Jarvis, que buscava homenagear a sua mãe, Ann Jarvis, conhecida por realizar trabalho social com outras mães, sobretudo no período da Guerra Civil Americana. Entretanto, o capital conseguiu comercializar uma data simbólica sobre a importância do afeto e do cuidado.

Mesmo sabendo que o dia das Mães é uma data incorporada pelas instâncias do consumo, mães e filhos ressignificam a mesma para além das relações de mercado. É um dia de celebrar o cuidado e afeto de mãe e filhos/as e vice versa.

Esse ano  teremos um dia das mães atípico onde mães e filhos /as não conseguiram estar presencialmente juntos. Logo, essa é uma importante reflexão.

E as mães, em sua maioria pretas que tiveram seus filhos retirados das suas vidas pela violência do Estado? Por que só esse ano os dias das mães será diferente? Já que para essas mães essa é a rotina todos os anos. Por que a sociedade racista brasileira insiste em não falar sobre o genocídio da juventude negra?

“Até eu morrer, serei a voz de meu filho”.

(Nívia do Carmo, mãe da Rede de Mães e familiares Vítimas da Violência do Estado na Baixada Fluminense e Ana Paula de Oliveira do Movimento Mães de Manguinhos)

Afinal, mesmo partindo dessa dor os movimentos de mães e familiares vítimas da violência do Estado têm muito a ensinar as outras mães do Brasil. Ao ressignificar ausência em garantia da memória e afeto, por partilhar os desafios de serem mães de jovens negros e /ou pobres do Brasil e pela luta cotidianamente para que o Estado Racista brasileiro não repita com outros jovens o que fizeram com seus filhos.

Por isso, queremos chamar a atenção e indagar onde estávamos todo esse tempo que não enxergavamos o sofrimento dessas mães negras e pobres?

Ao escrever esse texto lembro de um mãe em especial, Débora da Silva do Movimento Mães de Maio, em duas de suas falas que mudaram minha vida e minha forma de fazer política. A primeira fala foi: “você é mais um filho que tenho e que ingressa no exército de filhos/as que colaboram na nossa luta contra esse Estado”, e a outra é, quando diz: “que essas mães que sofreram com a violência do Estado vão parir um novo Brasil, e tenho certeza que já estão com sua luta.”

Digo que não há projeto mais revolucionário hoje no Brasil que o movimento de mães têm construído, e por que afirmo isso? Pois, seus corpos são a própria política de garantia da memória e justiça racial. São elas autonomamente que constroem o não esquecimento do legado de seus filhos e filhas e sem qualquer relação com o Estado. Logo trazem sim, apesar dessa questão não ser consenso até entre elas, que temos a possibilidade de construção de um projeto político sem o Estado.

“Eu era uma boba, meu filho lá do céu, fez eu tomar coragem, e ao lutar por ele, acabar o relacionamento com o escroto do meu marido. Quando eu ia para os atos no início eu chamava o pai, e ele me dizia: já vai a louca”.

(Mãe da Rede de Mães da Baixada)

Ao longo dessa construção, essas mães afirmam que são sobreviventes e o principal legado deixado por seus filhos é a missão de fazer a luta pelo direito à memória e por justiça cotidianamente.

Essas mães têm colaborado diretamente com a construção do conceito de justiça. Ressalta-se que essas mães entendem que a justiça do judiciário é sempre seletiva e racista.

A justiça pautada por essas mães é uma outra coisa, perpassa a construção de uma nova forma de sociabilidade. Entre dores e traumas, as resistências nascem e florescem. Essa resistência tem rostos, vozes e histórias.

Em uma sociedade patriarcal e machista, são as mães pretas e pobres do Brasil que protagonizam uma luta de reação a violência do Estado, pautadas nas necessidades de garantia da memória, justiça e de reparação. Essa resistência tem como princípio o apoio mútuo entre elas, a passagem de vítima indireta para uma resistente que precisa manter vivo a memória de seus filhos.

“Temos momentos de chorar, pois a mulher negra também tem direito a chorar, mas queria afirmar que somos o pesadelo do Estado”.

(Mãe integrante do Movimento Mães de Maio)

O recado final é que precisamos entender a força, a liderança e protagonismo do matriarcado como fundamentais para extirpar com a Violência do Estado.

Durante essa semana estaria acontecendo o V Encontro Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado em Fortaleza. Pois, o mês de maio para essas mães é simbólico, também o momento de se reunirem e de lutarem juntas pela memória de seus filhos/as.

A pandemia do Covid-19 não deixou permitiu a realização desse momento. Mas, desde o início dessa semana se reinventaram e lançaram mão de uma campanha virtual, com cards, histórias e memórias e lives para que sintam no dia das mães que seus filhos/as continuam vivos, afinal: “Os Nossos Mortos têm Voz, ontem, hoje e sempre!”

Para saber mais sobre V Encontro Nacional de Mães e Familiares Vítimas do Terrorismo do Estado que possui previsão de ser realizado em setembro de 2020 no Ceará, acesse a Página do Facebook e o Instagram da Rede Nacional de Mães e Familiares Vítimas da Violência do Estado.


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