
Por Fransérgio Goulart
“Os Nossos Mortos têm Voz.” (Rede de Mães e Movimentos de Familiares Vítimas da Violência do Estado Terrorista Brasileiro)
Por que esse artigo surgiu? Primeiramente, a Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial – IDMJR, entende a garantia da memória e a política do não esquecimento como ferramenta de luta na construção por justiça racial.
Entretanto, algo maior me mobilizou: afinal o que representava o dia 31 de março na História do Brasil e da Baixada Fluminense para os/as nossos/as moradores das favelas e periferias?
Após um rápido levantamento com o nosso povo, posso afirmar que pouquíssimas pessoas indicaram Golpe Civil-Empresarial-Militar de 1964 e muito menos da Chacina da Baixada acontecida na Baixada Fluminense no ano de 2005. Portanto, o Estado ao apagar nossas memórias reproduz uma das ferramentas mais racistas na manutenção do capitalismo: o apagamento histórico, um genocídio cultural que retira a nossa herança histórica.
Por isso, queremos difundir a nossa história e memória e mostrar que resistimos cotidianamente e que a política de garantia da memória se não for feita por nós, não será esse Estado Genocida e Racista que garantirá.

No dia 31 de março de 2020, estaremos diante de duas datas históricas que precisamos lembrar para que elas não se repitam. Trata-se de 56 anos do Golpe de 1964 que instaurou uma ditadura civil-militar-empresarial no Brasil e a outra com menos visibilidade dado ao território e ao perfil das vítimas: jovens negros pobres da Baixada Fluminense, os 15 anos da Chacina da Baixada que ocorreu no 2005.
Mas, como podemos fomentar a discussão da relação entre as duas datas e fatos tão distintos?
A partir da leitura do livro dos Barões ao Extermínio e de outros trabalhos do professor José Cláudio Alves da UFRRJ, bem como, da epistemologia favelada e periférica marcada pela vivência de moradores/as e militantes da Baixada Fluminense.
Podemos concluir que a Chacina da Baixada Fluminense, que assassinou 29 pessoas entre Nova Iguaçu e Queimados, foi praticada por policiais militares envolvidos em grupos de extermínio – que possuem relação direta com a herança dos anos de Ditadura Militar. Haja vista, que foi durante os Anos de Chumbo que as principais famílias e grupos de matadores e exterminadores fortaleceram-se nos diversos territórios da a Baixada.
A ditadura militar que fortaleceu esses grupos na Baixada Fluminense, iniciaram a ser o alicerce de uma estrutura de poder que nunca sofreu qualquer tipo de impedimento, pelo contrário, vem se fortalecendo até os dias atuais.
Ressalta-se que podemos perceber que estes grupos de extermínios foram os principais embriões da estrutura de poder das atuais milícias. Um bom exemplo são Câmaras Legislativas e os Executivos Municipais da Baixada formados com forte presença da bancada da bala e de milicianos diretas ou indiretamente vinculados nesses territórios.
A ditadura militar perpetuou e construiu uma visão de segurança na Baixada Fluminense fundado na lógica de proteção e favorecimento desses grupos de matadores ou exterminadores. A história da Baixada Fluminense é marcada pela milicialização da vida, como uma como política de segurança pública do Estado, mesmo antes da chegada de Witzel e Bolsonaro ao poder.
A chacina da Baixada e todas as outras chacinas que acontecem cotidianamente até hoje têm vinculação direta com o período da ditadura militar. O mais contraditório é que a Política de Segurança Pública da Milicialização, em parte, tem apoio popular.

Um apoio social fomentado a partir da construção de heróis, líderes, justiceiros e salvadores – em geral a partir da construção do medo. Todavia, reatualizado a partir de estruturas simbólicas culturais atuais, como grupos de futebol, rodas de samba, festas, festivais que constroem identidades e afetos em defesa da importância de grupos de milicianos nos territórios da Baixada.
Ademais, precisamos compreender que a ditadura militar na Baixada Fluminense teve toda uma especificidade, como o total controle das ruas para impedir e sufocar a existência de grupos de esquerda na clandestinidade. Na época, Nova Iguaçu era a 8º cidade mais populosa do Brasil e Duque de Caxias um dos municípios com alta densidade demográfica e era intensamente monitorada com a presença dos militares devido a localização da refinaria de petróleo e gás.
A partir do Decreto-Lei nº 200, editado pelo presidente Castelo Branco, exoneraram das Câmaras de Vereadores os Prefeitos, a partir da acusação de corrupção, de fraudes, entre outras coisas do tipo.
As áreas que mais sofreram esse impacto foram Nova Iguaçu, São João do Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias, que naquela época, foi enquadrada como área de segurança nacional e nesse momento os militares passaram a indicar as pessoas que passavam a ocupar os cargos de prefeitos.
Podemos observar que muitos clãs políticos desses territórios permanecem no poder diretamente ou indiretamente até hoje, ou seja, o legado maldito da Ditadura Militar para Baixada Fluminense perdura.
Com esses apontamentos podemos não mais indagar como no início, mas agora afirmar que o legado da ditadura militar perdura ao longo dos anos, sendo a Chacina da Baixada uma herança da lógica dos grupos de extermínios e da criação do inimigo, ou seja, a lógica militarizada da descartabilidade de corpos e a execução de pessoas comandadas por um certo grupo no poder.
A política de milicialização na Baixada é fundado pelo legado do regime militar, que construiu o poder político a partir da centralidade da violência, do poder econômico, do prestígio familiar e da eliminação do outro, seja um opositor político ou um inimigo pessoal.
Mas em todo esse processo houve e sempre haverá a resistência, e gostaria de terminar esse texto saudando as resistências da Baixada, representadas por mães e familiares vítimas da violência de Estado na Baixada Fluminense, as Casas de Santo e Terreiros, as Comunidades Eclesiais de Base, aos movimento Culturais e aos movimentos negros organizados e não organizados.
“É melhor morrer de pé do que viver de joelhos.“(Emiliano Zapata)
Denúncia: A Iniciativa Direito a Memória e Justiça Racial que no meio dessa produção de escrita e execução da Campanha do 31 de março, sofremos um ataque virtual por robôs em nosso site e redes sociais ao divulgar a campanha Lembrar para Não Esquecer: da Ditadura à Milicialização.
Acreditamos que o ataque virtual ocorreu devido a nossa combatividade em denunciar as violações de Estado não apenas restrita ao território da Baixada. Afinal, com a chegada de Witzel e Bolsonaro no poder houve uma intensificação da milicialização da política de segurança pública para todo o estado fluminense.