
Por Sílvia de Mendonça*
Meu pai, Manoel Mendonça, nasceu em 1900, em Porto Estrela, município de Magé. Com quinze anos ele a família mudaram-se para o que é hoje Duque de Caxias, antes era freguesia ou distrito de Iguassu.
Com 18 anos já trabalhava na Cidade do Rio de Janeiro, mas precisamente na Praça Mauá, cuidando dos bondes. Foi aí que ele contraiu a Gripe Espanhola. Viveu horrores. Sem poder trabalhar, a saúde tinha status cor.
Os brancos – que não formam se refugiar nas suas fazendas – tinha prioridades nos poucos hospitais. Papai, sem trabalhar ficou em casa (foi o único dos sete filhos que contraiu a influenza).

Mais de um mês trancado num quarto no grande quintal, com animais, árvores frutíferas e hortas orgânicas, ele dizia que seu único contato era com sua mãe, que levava sua comida, pegava sua roupas e, depois de lavar, colocava num caldeirão com água para ferver no fogão a lenha.
Sua comida eram as frutas e canja de galinha, e como remédio um pó de uma árvore (receita indígena para febre, que combatia também a malária), preparada a base de limão, cachaça e ervas. Assim ficou curado. Isolamento, alimentação adequada e medicação indígena. Falava que tudo fechou e que assim como a gripe veio ela foi embora.
Na foto ele estava com 38 anos, foi quando passou a trabalhar, como motorista, na Companhia de Carris Luz e Força do Rio De Janeiro, hoje Light.
“Famílias inteiras foram dizimadas, principalmente as que viviam em condições mais vulneráveis.
Os corpos acabavam sendo deixados na rua, onde permaneciam alguns dias até serem recolhidos, ampliando o cenário de devastação. Houve falta de serviço de transporte, alta dos preços e escassez de alimentos.
A doença atingiu metade da população do Rio, estimada em 700 mil pessoas, deixou a cidade vazia e silencios.
O cenário crítico perdurou por um mês, quando houve um declínio drástico no número de casos e a cidade começou a retornar às suas rotinas diárias. Estima-se a epidemia tenha causado a morte de cerca de 15 mil pessoas no Rio.
*Sílvia de Mendonça é jornalista, produtora cultural e atriz moradora de Duque de Caxias, cidade onde nasceu e vive, tem sua história ligada à luta contra o racismo e feminismo. Militante do MNU tem presença nas lutas contra intolerância religiosa, juventude negra e direitos humanos.